Como vim parar duas vezes no Rio de Janeiro

A experiência de viver noutro país me fez optar pelo Direito, com a ideia de vir ao Rio me submeter ao concurso do Instituto Rio Branco

Em 1971, meu Rio de Janeiro era o Catete. Vida de bairro, da Taberna da Glória ao Lamas no Largo do Machado. Ia ao Cine Paissandu, na crista da onda do cinema de arte. Na saída, discussões sobre filmes de Tarkovski, Bertolucci, Visconti, Kubrick ou Godard. Pretensiosas, claro. Andava pelo aterro do Flamengo. Seguia a pé até a Avenida Rio Branco, onde ensinava inglês. Passava pela extraordinária Livraria Leonardo da Vinci, onde Dona Vanna dava dicas imperdíveis. Frequentava, à noite, a Faculdade de Direito da então UEG (hoje UERJ) na Rua do Catete.

Tinha vindo de Fortaleza sem conhecer ninguém, a não ser meu irmão americano.

Em 1966, vim ao Rio, primeira cidade que conheci fora do Nordeste. Conheci é maneira de dizer. A gente acha que conhece tudo de uma cidade quando passa poucos dias. Enamora-se da paisagem, neste caso um amor à primeira vista que nunca arrefeceu. Fui ao Pão de Açúcar e ao Corcovado. Estava hospedado num hotel que me custou 23 cruzeiros novos a semana. Barato. Localizado na Rua Buarque de Macedo, a menos de um quarteirão da Rua do Catete, frente ao Cine Azteca. No Cine Veneza, em Botafogo, assisti a Um homem e uma mulher. O filme de Claude Lelouch acabava de sair.

O Rio era uma parada na ida aos Estados Unidos como estudante de convênio. Que vestibular fazer na volta? Daria para conciliar engenharia, como aconselhava meu professor de matemática, com poesia, a que me dedicava sem ainda saber que era péssima e sem conhecer a obra de Joaquim Cardozo?

Numa pequena cidade de Iowa, gostei mais das aulas de línguas e de oratória do que das de trigonometria. A experiência mesma de viver noutro país me fez optar pelo Direito, com a ideia de vir ao Rio me submeter ao concurso do Instituto Rio Branco.

Meu irmão americano, que havia entrado na Universidade de Yale, tinha a possibilidade de escolher um país estrangeiro para fazer uma pesquisa e um ensaio. Pensou em vir para o Rio. Juntei o dinheiro da venda de um sítio recebido de herança pela morte de meu pai, quando eu tinha 12 anos, em Mossoró, com o de um prêmio nacional de um concurso sobre direito de autor, que incluía passagem para o Rio de Janeiro. Alugamos quartos no apartamento de um advogado na Rua Silveira Martins, no Catete. Prédio de apenas dois andares. Único fora do alinhamento dos demais, com vista para os jardins do Palácio do Catete (Museu da República).

O prédio ainda existe e me lembra os anos seguintes, quando já estudante do Instituto Rio Branco, no Palácio situado à Avenida Marechal Floriano, admirávamos o lago que Guimarães Rosa descreveu no conto intitulado “O Lago do Itamaraty”: “sem aparato, rende quadro certo e apropriado à Casa diplomática. Porque de sua face, como aos lagos é eternamente comum, vem indeteriorável placidez, que é reprovação a todo movimento desmesurado ou supérfluo”. Desmesurado e nada supérfluo era o almoço no Bife de Zinco.

Continuei no mesmo endereço do Catete, já sem meu irmão americano, que havia se aventurado a conhecer o resto do Brasil.

Como disse no começo, em poucos dias se conhece tudo de uma cidade. Em três anos e mais as muitas vezes em que voltei ao Rio, o tempo é curto para conhecer a cidade que a natureza exige, contrariando a especulação imobiliária, que continua a ser a mais bela do mundo.

Essa segunda parada no Rio abriu as portas para as viagens ao exterior, via Brasília, como diplomata e escritor. Viveria em mais 13 cidades.