Atravesso o Lido, em Copacabana. É uma madrugada opressiva, o ar está pesado. Até que vejo: entre as árvores, um homem caminha de costas. Em uma segunda inversão, ele tem os olhos erguidos na direção do céu. Chego mais perto. Só então entendo que é o professor Espinheira, um amigo de meu pai.
Um verso de Rumi, o poeta místico, me chega: “O que é que pense de nós,/ em nada parecerá ao que somos”. Adverte Rumi que, apesar da estranheza das coisas, não devemos chegar a conclusões consoladoras. Dependurado no firmamento, o professor Espinheira me ignora. Uma força que desconheço o ergue. Até que, em um tropeção, ele me vê.
Minha presença o desarma. Não sabe se me cumprimenta, ou se foge. Apanhado em flagrante em seu êxtase, o professor se sente nu. “O senhor deve achar que enlouqueci”, ele se defende. É justamente o que eu acho, mas nego. “Não sabia que o senhor era um místico”, rebato. Não se trata de misticismo, e, sim, de fuga, ele me corrige.
Ainda não disse que, além de andar de costas, o professor Espinheira se movia em círculos. Como se dançasse. Agora entendo por que, diante dele, versos de Rumi, o poeta dos dervixes, me fulminam. “O amante gira em torno de seu próprio coração”, Rumi escreveu. O girar – dos átomos às galáxias – é o ritmo da vida.
“Ando esgotado”, o professor desabafa. “Você também não acha que o mundo está, a cada dia, mais incompreensível”? Sem suportar a pressão do real, o professor Espinheira se apega ao firmamento. Agarra-se ao cosmo, dependura-se com desespero e violência. “Hoje, é o único lugar para onde consigo fugir.”
Gira o professor, tenta sincronizar com os astros. Anda de costas, corre o risco de tropeçar só para inverter a posição preguiçosa de nosso olhar. Com uma pergunta seca, quase bruta, ele me derruba: “Você também não acha que devemos inverter a realidade”? Não sei o que responder. E, como não sei o que responder, eu o convido para um vinho.
Agora, na mesa do bar, o professor tem o olhar devastado. Busco mais algum verso de Rumi que me salve. Nada me vem. Ele desabafa: esforça-se em suas aulas, mas os alunos já não o escutam. Tenta seduzi-los com a ebulição da História, mas uma força mais tenebrosa, embora mais luminosa também, os arrasta. “Minhas palavras já não interessam a ninguém”, ele diz. “Tento conduzir meus alunos para o futuro, mas eles permanecem presos no presente.”
Nas noites quentes do Rio, o professor Espinheira se refugia entre as estrelas. Andando de costas, sincroniza com o giro cósmico. “Aqui na Terra, nada mais me interessa”. Sou incapaz de consolar um homem tão devastado. Mas será consolo o que ele busca? Sem saber o que dizer, pergunto se ele conhece os poemas de Rumi.
“O poeta do Islã”? – limita-se a perguntar. “Não, não li.” Tento convencê-lo de que, mesmo sem ter lido Rumi, ele interpreta Rumi. “Talvez você tenha razão”, me diz. “Muitas vezes encarnamos o que desconhecemos.” Agora, sim, me chegam outros versos do poeta sufi: “Eis o amor verdadeiro: que diz à mente: adeus”. Ficar com a nudez dos sentimentos. Entregar-se.
Na saída do bar, o professor Espinheira volta a examinar as estrelas. A realidade é obscura, e o professor desistiu de conhecê-la. Prefere erguer-se e voar. Com um sorriso, ele anuncia: “Já decidi: amanhã pedirei minha demissão de professor”. Abre os braços para o alto, como se abraçasse o firmamento. Está pronto para o salto. O abismo que ele deve ultrapassar sou eu, miserável cronista.