O jogo do Senhor Coetzee

J. M. Coetzee nada sugere e somos obrigados a criar um método de leitura, se pretendemos ler Diário de um ano ruim, obra que pode ser classificada como romance, já que esse formato se abriu a muitos tipos de experiências. 

“Um romance? Não. Não tenho mais resistência. Para escrever um romance precisa ser como Atlas, segurar o mundo inteiro nas costas e aguentar ali meses e anos enquanto os casos vão se resolvendo. É demais para mim no estado em que estou hoje.” El Señor C, personagem que também se chamará Juan, o que nos faz imaginá-lo o próprio Coetzee, justifica ter aceitado a proposta de um editor alemão para escrever não um romance, mas uma contribuição a um livro. O título será Opiniões fortes e, quanto mais controversas, melhores. Seis colaboradores de vários países dissertarão livremente sobre o que está errado no mundo de hoje. 

El Señor C sofre uma doença que limita seus movimentos e torna a letra ilegível. Recusa-se a trabalhar em computador, escreve os ensaios e depois os lê gravando, para serem transcritos por uma secretária. 

Surge Anya, mulher jovem surpreendente, num vestido curto vermelho-tomate. Ambos moram nas Torres Sydenham, ele, no térreo, ela num apartamento do último andar. A moça, dona de um derrière próximo à perfeição, vive há três anos com um sujeito pálido, apressado e gordinho, que lê revistas de economia e é consultor de investimentos. 

C escreve ensaios sobre a origem do Estado, anarquismo, terror, a direita e a esquerda, as universidades, a pedofilia, sempre opiniões fortes e provocadoras, que não o livram de uma dor metafísica ao contemplar o traseiro da garota. Acha-a estranha e inadequada, mas num impulso de paixão procura atrair Anya. Recorre ao editor alemão e contrata a moça para transcrever os seus textos. Ela está desempregada, o último trabalho foi na área de hospitalidade, o que nada significa. C não evita o desejo por Anya, que não evita ser desejada, e o namorado Alan, de apetite sexual desbragado, gosta que outros homens desejem sua mulher.  

Coetzee afirma que as histórias se contam sozinhas, não são contadas. Mas precisamos criar estratégias para guiar-nos pelo labirinto do romance, sair pulando entre páginas e parágrafos, até alcançar um fio narrativo. O leitor não pode esperar passivamente que a história se conte, precisa agir. As “opiniões fortes” estão em letras maiores, no alto das páginas. Abaixo, separado por espaços e linhas pontilhadas, em letras menores, o enredo.