Está na moda escrever romances ambientados em paisagens estranhas. Erico Verissimo foi pioneiro nessa trajetória, criando narrativas de viagem ou obras alegóricas em que discutia o poder e a ética. Walter Benjamin classificou os narradores em viajantes e sedentários. Os viajantes percorrem terras, buscam novos conhecimentos, que relatam quando voltam ao lugar de origem. Os sedentários ruminam e reinventam o que leram e ouviram, como se a inércia os mantivesse presos ao lugar em que nasceram, sempre refazendo trajetos, folheando livros e rememorando o que aprenderam. Machado de Assis foi um escritor sedentário, Erico Verissimo um viajante. Machado investigou o homem a partir da sociedade brasileira, principalmente a do Rio de Janeiro. Veríssimo, muitas vezes, deixou o Rio Grande do Sul e o Brasil, preferindo outras geografias para sua ficção.
O prisioneiro, romance de 1967, vai além das fronteiras, sem ser um livro de viagem. Verissimo prefere não revelar o nome do país onde a trama se desenvolve, deixa o leitor imaginar que se trata do Vietnã, durante a ocupação estadunidense. Qual o motivo dessa omissão? Erico Verissimo tinha um grande apreço pelos Estados Unidos, onde residiu alguns anos. Embora se coloque no meio do debate público sobre a guerra, escolhe não revelar os responsáveis pela insanidade. Esse cuidado se estende até mesmo aos nomes dos personagens. Temos o Coronel, o Major, o Tenente, o Sargento, o Médico, o Pai, a Mãe, a Esposa, a Filha, a Professora e a misteriosa K... Pela descrição dos ambientes e da aparência das pessoas, pelas vagas referências históricas e pelos detalhes da guerra sabemos tratar-se de um país do Sudeste Asiático.
Vencida a desconfiança das primeiras páginas, percebemos que Verissimo se ocupa com a psicologia, os dramas e conflitos das suas criações. Discute a insanidade da guerra e a crueldade do colonialismo, questiona o direito a que se arvoram algumas nações de intervir na política de povos mais pobres e vulneráveis. Alguns diálogos contrapõem ideias preconceituosas e pró-ocidentais a ideias mais justas sobre o oriente. O Coronel, que representa a política intervencionista estadunidense, afirma: “Na minha opinião, nosso país tem no mundo uma missão civilizadora. É isso que me dá esperança e força para lutar. Está ao nosso alcance salvar da miséria, da doença e da ignorância este e outros países do mundo igualmente subdesenvolvidos.” Trata-se da ideologia expansionista do Destino Manifesto, de Waldo Emerson, a de que a “América” e sua democracia estão destinadas pela divina Providência a se espalhar por outras partes da América e do mundo. A mesma certeza que levou o poeta Walt Whitman a escrever que “Os Estados Unidos são essencialmente o maior de todos os poemas”.
A guerra intervencionista no Vietnã, onde os Estados Unidos foram derrotados, se repetiu em lugares como Iraque, Afeganistão, Líbia, Ucrânia e Oriente Próximo, sempre com a justificativa de levar a civilização e a democracia às nações. Verissimo teria muitas paisagens para romances como A confissão. No cenário mais recente, Donald Trump reedita a filosofia expansionista, sem nunca ter lido Emerson. Com certeza desconhece o ensinamento de que a alma de cada pessoa é um microcosmo do mundo, que a natureza é um duplo de nossa psique e somos movidos pela energia divina chamada amor. Desconhece, também, que todas as pessoas têm seu idioma e as particularidades de uma cultura, que precisam ser respeitadas em seus territórios. E deveria renunciar à crença imperialista de que o povo dos Estados Unidos foi eleito por Deus para comandar o mundo.