I– Nascimento — O Mapa do Céu
Fernando Pessoa nasceu num “Feliz Dia” de quarta-feira1 (Mercúrio) e desponta no seu Mapa do Céu uma brilhante Lua-Nova-Leonina em pleno zênite, indicativa de exposição aprimorada da alma, memória, poesia. Essa Lua colocada em ângulo exato no Meio-do-Céu vai exigir uma interiorização que solicita um aperfeiçoamento constante, antes de se expor. E ainda um Pequeno Trígono Áureo2 com a Lua, em aspecto harmônico com Urano (o Céu) e Ceres (A Terra elaborada): funcionou como veiculação dos dons assinalados no seu Mapa com azulação intensa. Esse Azul-do-Céu foi sua rota de fuga. Agora, fuga de onde, de quem?
Pessoa fazia parte de uma sociedade/cultura que ignorava sua Poesia, desprezava sua Astrologia e atrofiava sua produtividade. Um mundo que não o entendia nem lhe pertencia. Surgiu então, o conflito representado no Mapa pelo Planeta Saturno (representa o pai e rege o Signo oposto ao da Lua, a mãe): a cobrança de uma estrutura material imposta versus a imaginação arrebatadora exposta. Conflito que acontece com frequência, porém, com o Poeta, evoluiu rápido para uma crise. No seu Mapa – como em sua vida – ele sempre escondeu de si, da família, dos amigos essa aflição interior intensa que está em seus poemas e em sua prosa, mas não na convivência.
E de onde ela vem? Qual a causa? A indicação dessa tendência em seu Mapa do Céu estava tão bem-escondida, que na preparação do IV Sarau, em 20053, apesar de lida toda a sua obra poética, estudado sua vida e calculado o seu Mapa, não percebi nem atentei para essa causa, de tão encoberta estava, mas que descobri agora: havia uma “Ocultação de Saturno”, exatamente em 13 de junho de 1888, às 7h3min. (8h8min. antes do poeta nascer).
II - A Ocultação de Saturno
No Mapa do Céu do Poeta, vemos dois círculos no cume: um azul e outro vermelho, cercando o zênite (na Astrologia, o Meio do Céu), pastoril da dualidade geminiana e sinalização de embate entre planetas opostos que se encontram conjuntos: Céu azul com Lua valiosa x Terra vermelha com Saturno oculto, alienado no Mapa & na vida. Vamos explicar: desde a Mesopotâmia, há mais de 3.000 anos a.C., e também na China, os astrólogos do Celeste Império já utilizavam as “Ocultações”. Inclusive aqui, no Recife, Georg Makgraf, o astrólogo de Maurício de Nassau, observou uma Ocultação de Mercúrio pela Lua em 28 de setembro de 16394.
Ocultação é um evento/fenômeno astronômico onde a Lua (vista da Terra), encobre um planeta (ou Estrela fixa), ocultando de nossa visão: um minieclipse, ou antes, um Eclipse da Psiquê. Na Astrologia Tradicional, uma Ocultação esconde a cintilação de um planeta que passa à carbonização total e atinge compartimentos íntimos, sensíveis da psiquê. Estudamos as Ocultações desde 1974, pesquisamos e trabalhamos nos Mapas do Céu em eventos como o Stellium5, quando sempre as colocamos nos almanaques.
Quando essas Ocultações se repetem em Lunações (29,5 dias) seriadas, tornam-se mais intensas, pois, era a 7ª Ocultação seriada de Saturno – que começou em 11-10-1887 e continuou em todas as Lunações, até a 13ª em 29-10-1888, atravessando toda a gestação do Poeta. Saturno carbonizado implica em isolamento, hospital, confinamento, prisão.
Na Interpretação, temos de pronto uma problemática com o pai, indicação de atingir a saúde dele e a do filho, reforçada quando cai em menos de 24h e triplicada em limites, quando menos de 12h. Corresponde & sinaliza uma extrema dificuldade de construir, estruturar a vida pessoal e profissional, resultando num grande isolamento “soprado” pelo fantasma do pai com excessiva autocobrança, perseguição insone. Temos aí um campo de pesquisa promissor para os estudiosos da obra & vida de Pessoa.
Escreve José Paulo Cavalcanti Filho em Fernando Pessoa – uma quase autobiografia: “O próprio Pessoa completaria: Há uma só arte, viver”. O problema é que “esse viver me apavora, me tortura”. E mais adiante: “Não durmo nem espero dormir. Nem na morte espero dormir.” Fosse cliente com essa configuração, indicaria logo uma pesquisa sobre o que houve com o pai, 2 dias antes até 2 após o nascimento, acrescentando que a problemática vem desde a 1ª Ocultação. Também perguntaria como foram as breves visitas ao pai doente, no refúgio, em Telheiras...
Importante a regressão para auscultar o fantasma ali gerado, a fim de tecermos as Orientações de superação ou convivência no presente e doravante. E até onde sabemos, Pessoa não teve o seu Mapa do Céu interpretado presencialmente por nenhum Astrólogo, e assim permaneceu mais ainda em autopressão-emocional, pois não teve alguém fora dele, para fazer uma leitura isenta de desejos & sofrimentos.
Essa Ocultação apresenta uma tendência desconstrutiva, pessimizante, isolacionista e autolimitadora. Entendam: a Astrologia não determina, ela faz a leitura das inclinações e tendências; os astros não exercem influência, mas, sim, correspondência. Seria preciso, então, encarar o fantasma com a vontade do Poeta, em livre e sã consciência, pois, ao contrário do imaginário popular, a Astrologia não trabalha com fatalidade, posto que não é mancia (adivinhação) e, sim, logia (Ciência). Pessoa, que também não viu a Ocultação, sentiu a pressão: “O tempo depressa despacha quem o despacha à pressa. Saturno devora os seus próprios filhos, não só no sentido de consumir ele próprio o que produz” (em “Erostratus”).
Adiantamos que todos temos fantasmas que travam as Metas de nossa psiquê e a Astrologia Tradicional, com mais de 50 séculos, tem condições de Orientação, pois fundamenta-se num modelo cíclico que repassa Harmonia. Heráclito disse que “natureza ama ocultar-se”(Physis krýptesthai philei). E a psiquê também ama! Por isso, existe a autossabotagem que acontece por ficar escondendo as deficiências, enquanto os desejos megafantasmagóricos campeiam & reinam à sua revelia.
III – Astrologia
Primeiramente, cumpre separar a Astrologia de mancias & esquisoterismos6 (O Poeta era esquisotérico!). Astrologia é uma ciência tradicional. Não é nem quer ser ciência moderna que se queixa de ter o monopólio da Ciência. O termo Ciência vem do verbo latino scire que significa conhecer, saber. Astrologia tem um “modelo” cíclico, constante, repetido desde que o mundo se formou e, até hoje, não manipulado: os planetas no sistema solar. Astrologia é Ciência no cálculo & Arte na interpretação; não é Religião; não forma ou tem “adeptos”; não requisita crença; é meio, e não fim. Possui técnica & método elaborados para orientação da psiquê. Importante sublinhar: o trabalho-base é o Mapa do Céu que é Orientação, e não previsão; que serve para saber o que o Universo quer de você, e não apenas o que você deseja; que não é para acertar, e, sim, consertar os seus entraves & fantasmas.
Exatamente por não participar de crenças ou mancias, no início da sistematização dos saberes no Ocidente, a Astrologia recebeu um lugar entre as ciências tradicionais do Quadrivium, no início da Universidade medieval, em Bologna, 1088, de onde se expandiu para as demais universidades europeias, até ser cancelada, pelo advento do racionalismo + iluminismo que elegeu a nova ciência, batizada de moderna, datada de perene e idolatrada como “A” ciência. Era a morte da Astrologia. Só que não morreu: refugiou-se nos costumes populares. Marginalizada, foi utilizada por aproveitadores. Vem daí que seria uma superstição e assim continuou sendo esnobada, ignorada e depois perseguida, mesmo. Os círculos intelectuais procuraram ‘ocultar’ o Saber Astrológico de todas as formas, por todas as calúnias e com todas as estreitezas com que o modernismo tentou e ainda tenta obter a primazia do conhecimento. E sobretudo apagar o seu registro na origem das universidades. Inclusive, nem saberíamos que a Astrologia estava no Quadrivium onde cada ciência tinha como patrono um planeta do Sistema Solar, cabendo Saturno à Astrologia, se não fora o Convívio de Dante Alighieri (Tratado 2, Cap XIII0):
“Porque, como diz Aristóteles no princípio do seu livro Sobre a Alma, a ciência é alta em nobreza, por causa da nobreza de seu objeto e por causa de sua própria certeza, e esta é mais nobre e alta do que qualquer das ciências citadas, por seu alto e nobre objeto que é o movimento do céu; e é mais alta e nobre por sua certeza peculiar, a qual carece de todo defeito por proceder de um princípio perfeitíssimo e reguladíssimo”. “E se alguém põe nela algum defeito, não é por causa desta ciência, senão, como diz Ptolomeu, por nossa negligência, e a isto tem que atribuído”. Fernando Pessoa leu e aprendeu com Dante um modelo perfeitíssimo e reguladíssimo para orientar a psiquê – que muito erra e escuta os seus imperfeitíssimos e desreguladíssimos desejos.
Pessoa iniciou-se como astrólogo e tentou se estabelecer, assim, em Lisboa; mas, sem ter conseguido se estruturar como tal, sem conseguir exercer como trabalho a astrologia; aumentava a autocobrança e a pressão emocional. O certo é que ele despendeu muitíssimo tempo para efetuar cálculos complexos, estritamente de profissionais de Astrologia: além do Mapa do Céu, Progressões, Direções, Retificações, Revoluções Solares & Lunares – em época sem programas de computação, com os cálculos feitos à mão. No início dos estudos astrológicos, fez cálculos retrô de sua vida para validar a Astrologia, e calculou os Trânsitos planetários no seu Mapa de 1914 a 1933. Fez Sinastria (Mapas em conjunto) com o Mapa de Shakespeare, de Dante, Goethe, anotando os ângulos que se conjugavam ou opunham ao seu. E ainda mais: inventou Raphael Baldaya, um heterônimo astrólogo com tratado e livros escritos.
Não, não era um gosto pessoal, um passatempo, uma extravagância literária, um capricho da genialidade. E nem fazia parte de nenhum rito secreto, iniciático ou mediúnico: o fato é que ele era astrólogo e nunca mais deixou de ser, até morrer. “Que grande posse mental vai desde o poço das emoções profundas até às altas estrelas que se reflectem nele, e, assim, em certo modo, ali estão.” {Bernardo Soares, Livro do Desassossego}.
Calculou milhares de Mapas… Atendeu centenas de pessoas… Segundo o astrólogo Paulo Cardoso, no livro Fernando Pessoa – Cartas Astrológicas, “a astrologia fez parte do quotidiano do escritor, que lidava com ela de manhã, à tarde e pela noite adentro, como atestam os diversos cálculos e estudos realizados, com indicação precisa da data e da hora em que foram feitos”.
IV – Heterônimos
Em 8 de março de 1914, fez Astrologia Eletiva7, calculando o Mapa do Céu dos três heterônimos, elegendo os Ascendentes (com o dele) nos 4 Signos fixos, quando ele passou a contar com três bons Cireneus, ajudando na sua via-crucis do desassossego. Organizou a Sinastria do Mapa dele com os três, com inúmeras Conjunções que serviram de ampliação. “Minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão” (em: Pessoa por conhecer).
V– Ocultação & Rota de Fuga
Os heterônimos são canalização dessa Ocultação e trazem variação e nuances para o Dom recebido que precisa ser construído, mas ainda temos a dualidade geminiana disparando sua receita para evitar o desassossego: “Por qualquer motivo temperamental que não me proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim” (em:“Páginas Íntimas e de Autointerpretação”). Pessoa abre três bicas, para recolher da Fonte Primordial com uma variação de tonalidades que ampliam sua veia poética. A construção dessas bicas tem base numa engenharia e arquitetura astrológica, passando a ser operador do Absoluto. O vermelho da Terra desaparece, some e a tormenta impera: será preciso criar uma rota de fuga da Ocultação, rumo ao Absoluto.
Dalila Pereira da Costa, em O esoterismo de Fernando Pessoa, fala de dois polos, sendo o terrestre da Ocultação & o celeste do Azul-do-Céu que representa uma Epifania culminante onde ele vê o Sagrado Vivo:
“Toda a sua experiência: da sua inspiração poética, da sua preexistência, da biunidade do seu ser, terrestre e celeste, da sua unidade atingida com o Todo, e transmitida nas Odes, e da súbita abertura dos céus, transmitida no Magnificat, lhe deu a certeza da existência de Deus, e da sua própria imortalidade”.
VI – Morte
Pessoa não morreu de morte natural, nem se suicidou. Fernando Pessoa foi suicidado: a falta de trabalho publicado ou encomendado foi-lhe definhando a psiquê. Com a Lua em Leão em pleno Zênite, ele precisava de vitrine para escoar sua poeticidade. A rota de fuga já estava exaurida, o plano da manifestação – esse Vale de Lágrimas – não suportava mais aquele peso – sem vitrine nem céus interiores. E a somatização, pouco a pouco, desfalecia e preparava o colapso final.
Sem dúvida, podemos afirmar que a Astrologia serviu para amenizar seu isolamento, desassossego e angústia, para ampliação da Simbólica Poética, e também para prolongar sua vida. Sim, sem a Astrologia ele produziria menos, seu repertório seria menor, e morreria bem antes. A Astrologia não precisava de Fernando Pessoa para se afirmar, mas o Poeta como astrólogo precisou e usou bastante a Astrologia.
Ainda temos que registrar que o Poeta nasceu, quando Plutão ainda não tinha sido descoberto. A partir de 18/fevereiro/1930, nasce Plutão – que estava retrógrado em 17° 45’ do signo de Câncer. Esse grau faz conjunção exata com o Mercúrio no Mapa do Poeta em 17° 18’ de Câncer, exata demais para ser relegada. Ele começa a relação com Aleister Crowley, inclusive corrigindo o seu Mapa - relação sem nenhum proveito para Pessoa.
Essa conjunção (Plutão no céu/Mercúrio no Mapa dele) sinalizou um aprofundamento no Poeta que escreveu algumas obras-primas (“Aniversário”, “Tabacaria”, “Eros & Psiquê”, “Autopsicografia”), após esse período.
Na vida profissional, todavia, não é aceito em cargos, começam crises de neurastenia, Mensagem fica em segundo lugar num prêmio nacional de Poesia...
Sem a poética exposta na vitrine, não havia hidratação e ressecava, indo para a Ocultação de Saturno irremediavelmente; sem a oxigenação do Azul-do-Céu, o Absoluto silenciava. E sufocado, a Morte representada pelo Plutão que não estava no seu nascimento, comparece - ao que parece, com muita antecedência.
CONTEÚDO NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO IMPRESSA
Venda avulsa na Livraria da Cepe