Para alguns a vida é crônica. Entre eles está Arthur Carvalho, que completa no dia de Natal o seu próprio natal, agora aos 90 anos de idade. Nasceu exatamente no ano em que morreu Fernando Pessoa. Aquele que sobre o Tempo disse: “não se resiste ao deus atroz que os próprios filhos devora sempre”.
O português tem razão. Mas, para poetas, escritores e músicos a sua matéria por excelência é o Tempo. Especialmente a dos cronistas. “Crônica da vida que passa” foi uma espécie de coluna jornalística assinada por Pessoa. Ou crônica da vida como um passatempo. Boêmio. Lúdico. Divertido. Irônico. Em tais veredas move-se Arthur, com aquele espírito de jovialidade que era – e é – tão sua, e que tanto o fez campeão juvenil de futebol pelo Sport Club do Recife quanto o faz praticar suas crônicas. Nos jornais. Nas revistas, como a Pernambuco. Que depois desaguam em livros, como A menina e o gavião e Basta de amargura (ambos da Cepe).
Em 1º de janeiro de 1949, enquanto Arthur Carvalho ia chegando, com a pressa de ritmo baiano, à adolescência, houve um balanço literário de 1948, publicado no Diario de Pernambuco. Aí, um par de frases definiu Rubem Braga, o cronista por antonomásia: "é o lírico por excelência, criador dum gênero de crônica feita de nada, mas donde chispam coruscações de ácida ironia, de dilacerante sofrimento, de alta e pura beleza duma amolecada manimolência que é inútil procurar noutra parte, senão nesses pequenos trechos de meio palmo de prosa, cheios, no entanto, em geral, duma prodigiosa sugestão poética da mais intangível perfeição literária".
Antes mesmo de inventar-se o chamado jornalismo literário, essa ponta de mistério que, na falta de outra palavra, se chama de poesia, já habitava a crônica. Um gênero que se permite flertar com o ensaio, o conto e o poema em prosa. Tendo e mantendo, no entanto, uma identidade pleonasticamente só sua.
Cada cronista é único. Alguns mais jornalistas, outros mais historiadores. Em todos, porém, se são mesmo cronistas, deve predominar o escritor, o “escritor literário”, para usar uma expressão tão cara a Gilberto Freyre.
Arthur Carvalho está de parabéns. Pela vida inteira. Que, como sabemos, nunca passa de uma crônica que tentamos escrever e reescrever, dia após dia.