Se lutas pela liberdade, tens de estar preso, se lutas por alimentos, tens de estar com fome.
José Revueltas, entrevista a Elena Poniatowska
Não causou e não causa surpresa a dedicatória a Pablo Neruda no livro A gaiola (El apando, 1969), de José Revueltas, traduzido e publicado neste ano pela Editora 34.
A dedicatória ratifica a ascendência ideológica do autor mexicano, assumida por ele desde os 15 anos de idade, quando se filia ao PCM (Partido Comunista Mexicano). Ratifica também seu primeiro encarceramento, ainda menor de idade, nas Ilhas Marias, localizadas no Pacífico mexicano. E expressa agradecimento pela carta em favor de sua liberdade que o poeta endereça a Díaz Ordaz, presidente da República mexicana de 1964 a 1970. Díaz Ordaz é a autoridade — o “macaco”, no linguajar metafórico de A gaiola — responsável pelo massacre dos estudantes mexicanos em Tlatelolco, às vésperas das Olimpíadas realizadas na Cidade do México, em 1968.
Naquele ano e por vontade própria, Revueltas recebe a terceira ordem de prisão. Ironias post-mortem sempre salpicam o túmulo de intelectuais de seu porte. O presídio das Ilhas Marias, conhecido como o “Paraíso”, é fechado em 2018 para se transformar, por decisão de Lopez Obrador, atual presidente do México, no Centro Cultural José Revueltas.
São poucos os dados biográficos enumerados, mas já se pode afirmar que o presídio, para o escritor, é menos uma gaiola e mais uma arapuca, onde se cai ou não. Não é tão absurda a sugestão interpretativa, já que apandar, em mexicano coloquial, significa capturar. O verbo tem a ver com caça e pesca e o substantivo derivado, apando, com arapuca de pegar passarinho. Informação fidedigna nos diz que, a dez dias da abertura das Olimpíadas, José Revueltas sobrevoa o alpiste lançado pelas forças repressivas da nação e voluntariamente toma para si a revolta dos estudantes na Praça dos Três Poderes. O escritor será condenado por dez delitos confessados. Roberto Escudero, um dos jovens líderes do movimento estudantil, afirmará que “o escritor decidiu judicialmente assumir a liderança do movimento porque acreditava que, dessa forma, ajudava os estudantes.” Se lutas pela liberdade, tens de estar preso… — afirma Revueltas em entrevista à escritora Elena Poniatowska.
Talvez não haja correspondente na literatura brasileira da constante e autorreflexiva militância marxista de José Revueltas, insubmissa às concessões do Partido Comunista para se instalar ou permanecer no poder. Mais próximo dele estaria Jorge Amado, mas sua militância política foi mais partidária que teórica.
Revueltas é menos um comunista e mais um marxista, e talvez aí esteja o motivo de sua trajetória insólita. Seu ativismo traça um movimento de entra-sai-e-volta que, muitas vezes, é interpretado apressadamente por alguns contemporâneos. À diferença dos militantes brasileiros que, desde os anos 1930, passam por diferentes formas de regime político, os mexicanos sempre lutam contra um único partido, o Partido Revolucionário Institucional (entenda-se a contradição expressa no nome), detentor a priori da cadeira da presidência da República, desde o final dos anos 1920. Uma tradição monárquica, sem o atestado de sangue azul.
A carta de Neruda ao presidente Díaz Ordaz data de fevereiro de 1969. Traduz a simpatia do poeta pela família Revueltas, de onde provém o talento do escritor José, do artista plástico Fermín, da atriz Rosaura e do compositor clássico Silvestre. Revueltas, escreve Neruda, “tem a rebeldia do México e uma grandeza herdada de família”. Em seguida ao elogio dos quatro expoentes nas artes, o poeta adota o estilo direto e inquestionável: “Senhor Presidente Díaz Ordaz: Reivindico a liberdade de José Revueltas porque ele, entre outras coisas, é certamente inocente. E, além do mais, porque tem a genialidade dos Revueltas, e também porque o queremos muitíssimo”. Neruda tem razão, Revueltas é inocente.
Na verdade, A gaiola, apesar de ter sido escrito por um ativista político na prisão preventiva de Lecumberri, na Cidade do México, é um conto longo, atrevido e fulminante em que nenhum dos personagens é militante político, no sentido estreito do termo. O relato da experiência no cárcere é tudo, menos autobiográfico. Voltaremos à questão. Foi escrito nos meses de fevereiro e março de 1969 e logo publicado, tendo a merecida acolhida crítica. A coincidência na data da redação de A gaiola e da carta de Neruda diz, finalmente, que a última deve ter servido de estímulo para a primeira. Em 1971, Revueltas será posto em liberdade pelo presidente Luis Echeverría Álvarez que, ao se cercar de intelectuais originários de maio de 1968, se autodefine passageiramente como de esquerda.
Não há como dar início à leitura do livro de Revueltas no Brasil, sem lembrar as Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos. Acentuem-se as diferenças. Primeira, são livros de fatura estilística opostas.
O bloqueio das mãos de mestre Graça e a consequente inibição de sua mente baixam ao cárcere quando o escritor quer usar as folhas de papel que encomenda ao faxina. Uma longa citação se faz necessária. Serve para nos aproximar das opções opostas oferecidas à redação da experiência única em presídio nacional, de repente politizado. Cito as Memórias do cárcere: “Sempre compusera lentamente: sucedia-me ficar diante da folha muitas horas, sem conseguir desvanecer a treva mental, buscando em vão agarrar algumas ideias, limpá-las, vesti-las; agora [no cárcere] tudo piorava, findara até esse desejo de torturar-me para arrancar do interior nebuloso meia dúzia de linhas. Sentia-me indiferente e murcho, incapaz de vencer uma preguiça enorme subitamente aparecida, a considerar baldos todos os esforços”.
A gaiola nada tem a ver com o recurso tardio à memória do escritor encarcerado, ou com a pegada literária minimalista (ou construtivista), que enobrece o estilo de Machado de Assis, Graciliano Ramos e João Cabral. A escrita de Revueltas recolhe as pontes lançadas em direção à tradição da “escrita automática” surrealista, de que foi introdutor no México o poeta Octavio Paz. Da poesia hispano-americana recolhe a ponte lançada por Pablo Neruda na figura estilística que o crítico Amado Alonso chamou de “enumeração caótica”. Por outro lado, ela se distancia da boa prosa de contemporâneos dele, como Juan Rulfo e Carlos Fuentes, voltados desde os anos 1950 para o estilo direto, enxuto e descritivo de Ernest Hemingway, John Steinbeck e F. Scott Fitzgerald
Talvez a escrita de A gaiola coincida, por obra do acaso ou da mudança de geração, com a do mais talentoso dos jovens escritores mexicanos dos anos 1960, José Agustín, nascido em 1944. É Agustín quem, no México, entra primeiro em sintonia com a prosa larga e espontânea e a vida vagabunda e nômade da geração beat. Refiro-me, em particular, ao romance On the road (1957), de Jack Kerouac. A explosão do então jovem José Agustín se dará em 1973 com o extraordinário romance Se está haciendo tarde, inédito em português.
Como adiantamos, assinale-se que, em A gaiola, não há personagem político, no sentido estreito. São todos flos sanctorum (para usar a expressão cristã latina, que cabe bem aos personagens do romance Nossa Senhora das Flores, de Jean Genet) da miséria física e moral redentora, como assinalou Sartre, onde chafurdam os encarcerados, as visitas, os rábulas e, evidentemente, os próprios carcereiros. Imagine-se que Graciliano Ramos, em lugar de apreender o extraordinário e pungente panorama histórico-social da sua estada e dos companheiros na prisão, legado aos pósteros como documento definitivo sobre os arbítrios cometidos contra os militantes de esquerda no Brasil, tivesse decidido focar apenas os eternos e medonhos moradores de presídio. Refiro-me aos episódios que se desenrolam na terceira parte das memórias, intitulada “Colônia correcional”. Refiro-me ao que se passa no livro do momento (final do capítulo 10) em que a máquina zero do barbeiro tosa a vasta cabeleira do escritor. É um igual a todos os demais moradores da colônia correcional.
Em pouco mais de vinte capítulos curtos, Graciliano traça o quadro infernal em que patinam os presos comuns, que abrem lugar na colônia aos militantes políticos recém-chegados. A prosa clara e nítida do mestre se torna fragmentada, obsessiva (repetitiva) e irritadiça, entremeando as frases assassinas que escuta (“Atenção. Vocês não vêm corrigir-se, estão ouvindo? Não vêm corrigir-se: vêm morrer.”) com os rápidos perfis de figuras mórbidas, que lhe parecem fantasmagóricas e asquerosas. Estavam a perder os últimos traços humanos. A sensibilidade fina do observador humano salta pelos ares, a saúde baqueia, e o homem passa a se julgar um velho de mais de 60 anos, quando está a entrar na casa dos 40.
Pouco a pouco, Graciliano muda de opinião. Aproxima-se de homens de físico decrépito e de comportamento intolerável (a seus olhos) e, no entanto, fascinantes. Tão fascinantes quanto o ladrão Gaúcho, que ganhará surpreendente papel nas memórias. Cito: “A firmeza, a ausência de hipocrisia, a coragem de afirmar, tudo [nele] revelava um caráter”. Como se sabe, são poucas as pessoas de caráter na sua obra literária.
Desses poucos capítulos das memórias retiro apenas um exemplo. Servirá (espero) para nos aproximar do mexicano Revueltas: “À direita, perto da entrada, alojavam-se as criaturas mais doentes. Em cima de uma tábua um preto novo gemia grosso e arquejava, pedindo uma injeção de morfina. Perto da grade que dava para o curral um homem pálido e magro se consumia despejando hemoptises em duas bandas de lençol presas entre as coxas. Esses pedaços de pano agitavam-se como asas feridas; a criatura exangue suava, fechava os olhos e abria a boca, sem fôlego; a esteira da cama estava coberta de manchas vermelhas”.
Tanto a prosa de poucas referências estilísticas autóctones quanto o foco num presídio que se aproxima mais dos descritos pelo maldito Jean Genet, tornam A gaiola uma experiência de leitura única na literatura latino-americana. Escritor e leitor não respiram. Sucedem-se frases intermináveis, com alusões metafóricas e alegóricas apropriadíssimas, a reclamar de escritor e leitor o fôlego e o destemor de nadador transatlântico. A prosa de A gaiola se recomenda pela audácia visual das metáforas inesperadas, pelo caráter em nada sigiloso das alegorias e pelo único e interminável parágrafo que, de cabo a rabo, dá conta de todo o longo conto. São tão inesperados alguns achados retóricos que a editora brasileira resolveu por bem facilitar a vida do leitor patrício grifando as figurações simbólicas mais audaciosas, a começar pelos casais de guardas carcerários, figurados como macaco e macaca.
Aproveito a entrada em cena dos primatas, para discordar da crítica mexicana que julga o texto de Revueltas um script cinematográfico. Julgo-o, antes, uma peça teatral de vanguarda que está sendo encenada, na hora histórica correspondente, no palco da literatura latino-americana. Julgo-a assim não só pelo espaço literário do conto ser constantemente geometrizado pela figura do cubo, um repetitivo “caixote” a dar conta do cenário fixo e imutável das várias celas, como também por a narrativa se desenvolver a partir de sucessivos confrontos entre personagens, sempre dois a dois, como se em “apartes”, para usar a expressão teatral.
Se a representação do vigia carcerário como macaco me lembra as encenações do Teatro de Arena durante a ditadura militar, em que sobressai a interpretação impecável dos donos do poder pelo ator Lima Duarte, já o clima claustrofóbico da prisão preventiva de Lecumberri não se diferencia de outro e também notável inferno teatral da ocupação nazista, o da peça Huis clos, de Jean-Paul Sartre. Condenado, vigia, visita advogado, rábula etc. — o Outro, em suma, é o inferno que, no mundo, se carrega às costas e é por isso que se luta pela liberdade.
Os personagens principais de A gaiola compõem um sexteto de vozes dissonantes. Apresentam-se organizados em dois trios. O masculino, composto pelo Polonio, o Albino e o Caralho. O feminino, pela Chata, a Meche e uma velha senhora. As duas primeiras são as amantes respectivas do Polonio e do Albino, e a velha senhora, a mãe do Caralho. Esta é a mais assombrosa e tenebrosa das figuras trágicas. Mal afinado, o trio masculino é responsável pelo tráfico de drogas na prisão de Lecumberri e, com a ajuda das três mulheres a que estão associados, planeja um pequeno e intrincado golpe. Teriam em mãos a droga e sacrificariam, ao mesmo tempo, o mais intolerável dos amigos, o Caralho.
O clima de atenção panóptica é dominante no conto. No conjunto dos prédios, destaca-se a “torre de guarda — um elevado polígono de ferro, construído para dominar do alto cada canto da prisão”. Todos são plateia uns dos outros. Cada um e todos são olhos, ainda que tenham sido perdidos em embate ou nascidos cegos. Os macacos de plantão vigiam, os presos, com a cabeça de S. João Batista nas bandejas que são os postigos das celas, vigiam. Vigiam uns aos outros como aviões-caça. O mundo é o alvo do olho.
O leitor brasileiro — note-se mais esta diferença — está distante da reconhecível fauna de marginais pé de chinelo das Memórias do cárcere, onde sobressaem punguistas orgulhosos, achacadores frustrados, falsários de merrecas, mas que não demonstram o agir profissional na prisão, a não ser para anunciar fugas ou dar pequenos e mesquinhos golpes nos companheiros.
Em A gaiola o leitor é transportado a jato para o terceiro milênio, ainda mais empobrecido, nos presídios nacionais latino-americanos, em virtude da ferocidade dominante nas guerras entre facções inimigas, embora a mercadoria tenha feito multimilionários com as transações secretas internacionais, que ganham as manchetes dos jornais, o interesse das agências internacionais de vigilância e a sedução dos paraísos fiscais.
O destaque de personagem sofrido vai para a figura do Caralho e de sua mãe. O Caralho tinha o costume “de cortar as veias cada vez que o punham na gaiola”. Não é por masoquismo que inflige a dor a si mesmo. Seus antebraços, continua o texto, “ficavam cobertos de cicatrizes escalonadas, uma depois da outra, feito o braço de um violão”. Inflige e suporta a dor pelo desejo de ser levado à enfermaria, onde receberá de graça a droga que necessita. Sua mãe é “assombrosamente tão feia quanto o filho, com a marca de uma navalhada que lhe ia da sobrancelha à ponta do queixo”.
A mãe do Caralho vive de rancor e repreensão, “sabe Deus em que circunstâncias sórdidas e abjetas ela teria ido para a cama, e com quem, para engendrar aquele filho, e talvez a recordação daquele feito distante e tétrico a atormentasse de novo a cada vez. Fato é que, de tanto em tanto, soltava um suspiro espesso e rouco. ‘A culpa não é de ninguéns, é toda minha, por ter tido você’.”
O grande enigma de A gaiola não são os personagens, densos e postos a descoberto de forma singular e rara na literatura latino-americana. Empinam-se na arapuca pelo desejo desabrido de conseguir algum e de satisfazer a necessidade indomesticável. A trama tampouco é o grande enigma de A gaiola.
Polonio, o mais sabido e sexualizado dos três, bola o plano para contrabandear a droga para dentro do presídio. Plano rebuscado e fescenino. O pó chegaria camuflado na xoxota de uma das três mulheres, como se fosse um contraceptivo popular na época. “Tratava-se — dizia Polonio — de uns tampões de gaze com um fio de um palmo e pouco, mais ou menos, cuja extremidade ficava para fora, uma pontinha para puxar e tirar depois que tudo estivesse terminado”. E continua: “aí ficavam detidos os espermatozoides condenados à morte, loucos furiosos diante do tampão, batendo na porta como os guardas da prisão”.
Polonio acaba por escolher a velhota como mula. Das três, a única que não seria posta, no dia da visita, em “posição ginecológica”, e examinada pela macaca, de nítido perfil sapatão. Se tivesse sido escondida no corpo da bela Meche, o Polonio imagina, ou crê imaginar, que sofreria apalpadelas longas e carinhosas da vigia. Abre-se um longo parêntese na narrativa e temos um belíssimo jogo entre duas imagens fortes e terríveis: as partes intimas do corpo da Meche sendo apalpadas pela vigia e a sensação erótica que lhe invade, avivando a noite em que fora possuída pela primeira vez por Polonio. Outra citação longa, mas imperdível: “as próprias coisas se convertiam em seu próprio e hermético disfarce. Arqueologia das paixões, dos sentimentos e do pecado, em que as armas, as ferramentas, os órgãos abstratos do desejo — a tendência de cada fato imperfeito a buscar sua consanguinidade e sua realização em seu próprio gêmeo, por mais incestuoso que pareça — aproximam-se de seu objeto por meio de uma longa, insistente e incansável aventura de superposições”.
O grande enigma de A gaiola é um só: a invenção do narrador. O grande enigma é o narrador (de) José Revueltas e essa prosa literária a escarafunchar o abismo dos seres despossuídos de qualquer sentido de humanidade. O narrador abdica do nome próprio, do corpo e da alma. Abdica da própria longa e acidentada vida. É pura e apaixonada percepção de tudo o que lhe escapa do humano se, no presídio de Lecumberri, fosse só um destemido militante político de esquerda. O narrador (de) José Revueltas escancara e abre, como se fosse uma xoxota ou uma ferida, o que o substantivo proletariado esconde dos olhos do teórico marxista e do observador literário.
Entre nós, brasileiros, o narrador mexicano talvez se aproxime, por um lado, do João Antônio dos Lambões de caçarola e, por outro, do João Gilberto Noll de A fúria do corpo.
No cárcere, Revueltas se dedica a escrever, durante dois meses, o que talvez tenha querido escrever durante toda a vida se tivesse tido modelos humanos nus por fora e nus por dentro. Aproxima-se de romancistas malditos como Jean Genet e de dramaturgos como Tennessee Williams, e anuncia cineastas como Pedro Almodóvar. Nada a ver com o Arthur Miller às voltas com Depois da queda, que dramatiza sua paixão pela estrela pop Marilyn Monroe, ou com os romancistas contemporâneos nossos, que se contentam com a descrição objetiva e fria, monossilábica, do comportamento humano violento, herança terceiro-mundista dos romances policiais gringos.
Embora seja insensível aos sentimentos de piedade e de compaixão, o narrador de A gaiola — e, evidentemente, (este) seu leitor — se cola aos personagens como a tarântula, de que fala com conhecimento de causa: “feito uma tarântula maligna, com a mesma sensação que invade os sentidos quando a aranha, sob efeito de um ácido, encrespa-se, encolhe-se em si mesma — enquanto produz, por outro lado, um ruído furioso e impotente —, enreda-se em suas próprias patas, enlouquecida, e contudo não morre, não morre, e quem olha tem vontade de esmagá-la, mas tampouco tem forças para tanto, não se atreve, sente-se tão incapaz que quase começa a chorar”.
Tomado pelo ácido, o narrador/tarântula agride por fora e por dentro, primeiro a si e depois os personagens, agride-se e agride de maneira viciosa e, na maioria das vezes, de maneira demolidora e irreversível. Não há retorno, não há cura. Ninguéns (cito o neologismo criado por Revueltas, para melhor compreendê-lo), ninguéns escapa ou escapará de seu jugo narrativo. Não poderia ter sido diferente o final do longo conto: “A única coisa clara para eles [os membros do sexteto] era que a mãe não tinha podido entregar a droga para o filho nem para ninguéns, como ela dizia. Pensavam, ao mesmo tempo, que não era mais o caso de matar o filho aleijado. Para quê?”