Tolicensura

Integrante da turma da Mesa Redonda do Algonquin, o crítico de teatro e cronista Heywood Broun faz rir e pensar neste texto publicado na antologia Nonsenseorship

Não foi com exagero que a História deu a alcunha de “anos loucos” para o segundo decênio do século XX. Aquele foi o tempo da consolidação do cinema, do jazz, da psicanálise, das vanguardas artísticas, de Hemingway, Gertrude e Eliot, das melindrosas, da popularização do automóvel, da euforia econômica que, para acabar com a festa e trazer a conta, se tornaria Depressão no último ano da década de 1920. Efervescência material e cultural, assim, não acontece sem que inteligências se encontrem, se estimulem e produzam, tanto nos grandes quanto nos pequenos círculos. E é de um pequeno (não no pensamento) círculo que marcou o ambiente cultural norte-americano da época que vem o autor do texto traduzido aqui.

De 1919 a 1932, personalidades da imprensa e das artes de Nova York, como a escritora Edna Ferber, o ensaísta Robert Benchley, a crítica literária e poeta Dorothy Parker, o editor (fundaria a revista The New Yorker) Harold Ross, o crítico Alexander Woollcott e o comediante Harpo Marx, todos caracterizados pela sagacidade e pelo humor ácido (é de Dorothy a tirada “Esse não é um romance para se deixar de lado. É para se jogar fora, com toda a força”), reuniam-se regularmente para almoçar e, é claro, trocar ideias, piadas e provocações no Salão Rosa do Hotel Algonquin, em Manhattan. Os longos – e, quase sempre, ébrios – almoços eram tão rotineiros e ansiados, que o dono do hotel instalou uma grande mesa redonda só para a turma usar, com o que contribuiu para o nome pelo qual ela é conhecida até hoje: Mesa Redonda do Algonquin. No seu auge, na metade da década de 1920, aquelas cabeças privilegiadas estiveram entre as maiores celebridades nova-iorquinas, famosas pelas frases de efeito e comentários cáusticos sobre a política, os costumes e as artes, levados para as colunas que elas mantinham em jornais e revistas lidos no país inteiro.

Daí chegamos a Heywood Broun (1888-1939). Jornalista, crítico de teatro e cronista, colunista igualmente prestigiado, escreveu para o jornal New York Tribune e para as revistas The Nation e The New Republic. Nos últimos anos de vida, teve ainda um programa de rádio. Bom frasista (“O drama da vida não é que o ser humano pode perder, mas que ele pode quase ganhar”), amigo de Dorothy e dos irmãos Marx, Broun, é claro, também foi frequentador assíduo da Mesa do Algonquin.

Era natural, portanto, que a perspicácia dele e de Dorothy & cia. fosse convocada por uma publicação cuja proposta era criticar outro traço forte da vida norte-americana da época, simultâneo ao frenesi econômico e às inovações tecnológicas e artísticas: o moralismo de costumes, do qual a Lei Seca, decretada em 1920 e extinta em 1933 após se revelar um fiasco, e o “Código Hays” (1930-1968), nascido de pressões para que se restringissem cenas de nudez, uso de drogas e condutas “indecentes” nos filmes de Hollywood, foram as decorrências mais explícitas. A antologia Nonsenseorship – Sundry observations concerning prohibitions, inhibitions and illegalities (Tolicensura – Observações diversas sobre proibições, restrições e ilegalidades), editada em 1922, pretendia atacar, com humor, a onda de patrulhas absurdas que havia se erguido.

Da turma do Algonquin, também participou Woollcott, com um artigo ponderado. Dorothy compôs um poema indignado. Broun redigiu a crônica transbordante de ironia que empresta o título para o livro – e que é traduzida ao português, aqui, pela primeira vez. O que na época era considerado moralmente inaceitável parecia-lhe tão ridículo quanto nos parece hoje. Então quer dizer que “assistir a uma cena de filme em que um homem rouba um cofre” fará o público “querer também roubar um cofre”? Um censor, diz Broun, é alguém que acredita poder “parar o vigoroso trânsito da vida somente com um apito e a mão direita levantada”, talvez com a fantasia de criar uma sociedade em que todo mundo use galochas, poupe muito dinheiro e durma às 10.

Cem anos depois, neste tempo em que celebridades e marcas são “canceladas” nas redes sociais, grupos pressionam por remoção de livros de bibliotecas escolares e o embate entre o dono do Twitter/X e um ministro da Suprema Corte brasileira joga discussões sobre liberdade de expressão na ordem do dia, a (re)leitura de Tolicensura é oportuna. Continua a divertir e fazer pensar. Grandes inteligências, como a de Broun e as dos colegas da mesa do Algonquin, são assim mesmo: nunca terminam de dizer o que têm para dizer.

A seguir, a íntegra do artigo.

Um censor é alguém que leu o Livro de Josué e esqueceu a história do Rei Canuto II. Ele crê que pode fazer parar o vigoroso trânsito da vida somente com um apito e a mão direita levantada. Pois, afinal de contas, é mesmo contra a vida que ele se debate. A censura, raras vezes, preocupa-se com a verdade. Sua preocupação maior é com a decência. Obviamente, permitiu-se que a indecência se apresentasse logo no esquema da Criação. Talvez seja de se lamentar que nenhum censor bem-intencionado estivesse presente na primeira semana em que o mundo foi feito. O projeto do sexo, por exemplo, poderia ter sido efetivamente extinto ali, e o senhor John S. Sumner1 poderia ter-se poupado do imenso e perigoso calvário de ler Jurgen, tantos séculos depois.

Realmente, se tivesse havido supervisão bem-intencionada e sensata do processo de modelagem de Adão e Eva, o mundo poderia ter outras preocupações que não as da Sociedade Nova-iorquina pela Supressão dos Maus Costumes. Eliminar os fatos biológicos que a Sociedade incluiu na categoria de Maus Costumes é, agora, impossível. Encobrimento é o que querem as pessoas de bem. Quase como acontece em Crianças na floresta, eles nos cobririam com folhas. Para homens e mulheres, eles têm as de figueira, e para crianças, as de repolho.

Deve ter vindo de um censor a noção segundo a qual não podemos nos ferir com o que não conhecemos. A dúvida é se essa regra é aplicável ao sexo. Eva foi embora do Paraíso e carregou consigo uma maldição pela ousadia de querer conhecer. Parece ser um desdém com esse heroísmo defender que mantenhamos a maldição e esqueçamos o conhecimento. A batalha contra a censura deveria ter acabado no momento em que se comeu a maçã. Nessa hora, o Ser Humano comprometeu-se com a decisão de conhecer tudo o que pudesse da vida, ainda que morresse por isso. Infelizmente, sob os termos da existência dos mortais, uma decisão só não basta. Precisamos continuar reafirmando as decisões, para que se mantenham. Mesmo no Éden houve o germe de uma nova ameaça que poderia fazer Adão e Eva regressarem à inocência. Quando os dois comeram a maçã, uma ameba num cantinho qualquer do Jardim estremeceu-se toda e começou o longo e difícil processo de evolução. Para todos os fins práticos, John S. Sumner já nasceu.

Em si, a ideia de censura é, para nós, imoral. Ainda que as suas funções fossem exercidas pelo mais sábio dos homens, continuaria errada. É claro, porém, que o mais sábio dos homens seria alguém de muito bom senso para atuar como censor. Não é com ele que estamos a lidar. Seus substitutos são pessoas claramente inferiores. Nem mesmo são treinados para o trabalho, a não ser da maneira mais acidental possível. Naturalmente, um censor deveria ser um psicólogo tarimbado. Em vez disso, os cargos mais importantes dos departamentos de repressão vão para o moço que conseguir apreender o maior número de cartões-postais eróticos. Logo depois de confiscar algumas centenas desses itens, ele é promovido à tarefa de supervisionar a arte. A essa altura, ele já estará com a percepção totalmente influenciada pelos supostos sacrilégios das pessoas. Uma infinidade de coisas passa a ganhar interpretações indecentes na cabeça dele.

Por exemplo, a imagem de uma mulher costurando roupinhas de bebê não é, geralmente, considerada um espetáculo indecoroso em muitas comunidades, mas pode não ser exibida nas telas da Pensilvânia por ordem do comitê estadual de censores. Em Nova York, a Ana da Áustria do poema de Rudyard Kipling não pôde “comer o pão da infâmia e receber a paga da vergonha”2 na sua versão para o cinema. O resultado foi mais imoral ainda. Mostrou-se Ana vagando casualmente, bebendo e conversando com marinheiros que lhe eram completos estranhos, mas os censores não permitiram que qualquer estigma fosse aplicado à conduta dela. Tal decisão parece mesmo ir ao encontro daquela teoria estranhíssima segundo a qual atos não importam, contanto que nada se diga sobre eles.

A junta de Nova York que cuida do cinema é particularmente suscetível a palavras. Numa ocasião, um filme foi submetido com o cartão “A brisa dos mares do sul sopra um perfume erótico”. “Cortem ‘erótico’”, foi a ordem dos censores.

Em Illinois, não se permitiu que Charles Chaplin tivesse, em O garoto, a cena em que, ao ser perguntado qual o nome da criança, ele balança a cabeça, entra em casa e volta segundos depois para responder: “John”. Esse tão peculiar grupo de censores parecia querer manter sob sigilo o fato de que existem dois sexos.

Por certo, pode-se argumentar que o cinema não é arte, logo, pouca diferença faz o que acontece com ele. Não podemos compartilhar dessa displicência. Muito já foi feito nos filmes para nos convencer de que eles são capazes de grande beleza, desde que os censores possam ser removidos do caminho. Nem toda a estultícia das fitas americanas atuais é de responsabilidade dos produtores. Boa parte da culpa deve ir para os vários comitês de censura. É difícil criar muitas histórias nas quais não haja paixões, crimes ou nascimentos.

Na verdade, somos da opinião de que a ideia de censurar o cinema é de todo equivocada. Os guardiões da moral sustentam que, se o espectador assistir a uma cena de filme em que um homem rouba um cofre, ele será levado a querer também roubar um cofre. Para refutar, oferecemos o testemunho de um senhor cujo conhecimento do comportamento humano é muito maior que o de qualquer censor. Em texto para a revista The New Republic, George Bernard Shaw defendeu que, doravante, as bibliotecas públicas forneçam aos frequentadores somente livros com personagens maus. Pois, disse ele, após lermos sobre atos malignos, nossas ganas de maldade estão realizadas vicariamente. Por outro lado, há o perigo de o público ler sobre santos e heróis e conduzir as suas aspirações nessa direção sem as ações necessárias para tal.

Certa vez, nós assistimos a um filme sobre um ladrão de estrada (isso foi antes de a censura ficar tão rígida quanto agora), e o filme nos convenceu de que tal profissão não nos caberia. Não tínhamos nos dado conta da quantidade de cavalgadas exigida. Esse salteador que nós vimos jantava apressado, dormia pouco e, invariavelmente, calçava botas. Passava a maior parte da história sendo perseguido e pulando cercas. Assistir a isso proporcionou dores musculares a todos nós. Ao final do oitavo rolo de filme, qualquer desejo por uma vida intrépida que pudesse haver nas nossas almas fora mitigado. O homem da fita tinha vivido a aventura por nós, e então pudemos voltar, com conforto, a nossas existências pacíficas.

Literatura vivaz é a compensação para a monotonia. Caso, um dia, não nos reste a menor chance de ver ou ler sobre uma transgressãozinha qualquer, provavelmente seremos levados a sair e nos meter em farras nós mesmos. Até o momento, não sentimos a necessidade. Estávamos propensos a deixar D’Artagnan fazê-lo.

Mesmo abstinência tão árdua como a causada pela Lei Seca pode se tornar tolerável por meio de substitutos ficcionais. Depois de ouvir o coro de bebedores numa cena de brinde de ópera bufa e assistir à apresentação engraçadíssima de um comediante, que está sempre embriagado, somos quase persuadidos a nos manter sóbrios. A Lei Seca talvez seja o ápice da censura. Tem vantagem sobre outras formas de repressão porque, pelo menos, surgiu de um ponto de vista sensato. No entanto, ainda não estamos convertidos. Há coisas no mundo muito mais importantes do que o bom senso.

Um dos líderes da Liga Antibares emitiu, dias atrás, uma declaração na qual se esforçava para expor todos os benefícios trazidos pela Lei Seca. Mas ele o fez com estatísticas. Usou uma tabela que mostrava aumento na abertura de cadernetas de poupança e outra que exibia decréscimo no número de internos em hospitais, prisões e asilos. De um ponto de vista utilitarista, os índices, se corretos, dificilmente deixam de impressionar, mas pouco tem-se dito nos dois lados em debate a respeito dos aspectos espirituais do rum. Infelizmente, não existem estatísticas sobre isso, e mesmo assim é o único ângulo da questão que nos interessa. Semanas atrás, pudemos apreciar a carta que um homem escreveu para um grande jornal criticando o acordo proposto na Irlanda, sob a alegação de que “É sério por demais”. Pois temos quase a mesma percepção sobre a Lei Seca. É um movimento que tem a finalidade de eliminar da vida nacional toda e qualquer patetice, e não há outro atributo de que a América precise tão encarecidamente.

Caso a aplicação da lei se dê à perfeição, o resultado será um país composto inteiramente de gente que usa galochas, guarda dinheiro no banco e vai dormir às 10. Aquela boa e velha frase, “Esta é por minha conta”, será banida da língua. O teor das conversas será totalmente educativo, pois em 50 anos a última geração capaz de dizer “Você se lembra daquela noite?…” já terá ido ao encontro dos pais.

Claro, não há como negar a miopia do pessoal do rum. Eles não podem escapar da responsabilidade de terem ajudado no surgimento da Lei Seca. Foram lentos para entender a necessidade de se ter alguma forma de redução e de limitação do tráfico. Posturas como essas são um equívoco tremendo. Por exemplo, nós tivemos decretos estipulando que as tavernas fechassem mais cedo. Em vez disso, deveríamos ter tido leis que proibissem todo mundo de vender bebida alcoólica fora do período entre 8 da noite e 5 da manhã. Beber de dia sempre foi uma estupidez líquida e certa, mas, para a noite valer a pena, é preciso fazer algo. O ser humano não é só um animal, e não deveria se entregar a um sono banal só porque o sol já se pôs.

As invenções da eletricidade, da bebida alcoólica, do espelho de vidro e do jogo de cartas fizeram do homem comandante do seu ambiente, mais do que dependente dele. Agora que a bebida se foi, os outros elementos perderam a razão de ser. Jogar cartas se tornou apenas a extensão do processo cruel e lógico da sobrevivência dos mais aptos. Vence o camarada com a melhor mão, em vez daquele com a melhor cabeça. Ninguém mais compra quatro cartas ou espera até completar uma sequência. A coisa é simplesmente brutal, fria e mercenária até não mais poder.

Campanhas para arrecadar dinheiro também desapareceram. Ninguém se interessa por contribuir para um fundo popular destinado à compra de água mineral e sanduíches de queijo. E com o fundo popular desapareceu também o caminho mais promissor para o desenvolvimento da cooperação e do comunismo nos Estados Unidos. Era profético de uma sociedade mais perfeitamente organizada. No tempo dos fundos populares, o ideal socialista “De cada um segundo sua capacidade e a cada um segundo sua necessidade” foi aprimorado e realizado. E a tradição romântica de Robin Hood também fora trazida para a vida moderna. Os fundos tiravam apenas dos ricos e deixavam os pobres em paz.

Agora, porém, nenhum de nós vai contribuir, sem questionar, para o conforto material dos outros. Afinal, cada um precisa manter seu dinheiro na poupança.

Talvez algum traço da velha rivalidade entre amigos possa ser revivido. Daqui a 100 anos, quem sabe senhores vão se reunir em torno de uma mesa e um dirá para o outro: “O que você tem aí?”
“Tenho US$ 9.876,32 em hipotecas e títulos do tesouro”. “Ótimo. Você venceu.” Mas, seja como for, duvidamos disso.

Outro erro cometido na busca por conciliação com os secos (3) foi a resolução que proíbe servir bebidas alcoólicas para menores de idade. Ao contrário, a disposição deveria impedir que se servisse bebidas a indivíduos com mais de 30 anos. A função do álcool nunca foi ser uma boa companhia. São as más companhias que levam os jovens a praticar saudáveis loucuras. Trabalho e responsabilidade são coisas de adulto. O rum foi mesmo criado para a juventude, fase da vida em que a avidez por experiências é tamanha, que a realidade precisa ser borrada um pouco para não nos cegar.

Por acaso, caiu em nossas mãos recentemente um exemplar do jornal feito pelos estudantes de Harvard, no qual se lia: “O primeiro Encontro de Primeiranistas Fumantes será realizado hoje, às 19h45min, na sala da Associação. P. H. Theopold, 25 anos, Presidente do Comitê de Fumantes, atuará como Presidente, apresentando Clark Hodder, 25 anos, e J. H. Child, também 25 anos, respectivamente Presidente e Secretário da categoria. Após os discursos, exibir-se-á um filme e dar-se-á a apresentação de um excelente mágico. Serão servidos tônicos refrigerantes, biscoitos e cigarros. Todos os primeiranistas estão convidados a participar”.

Antes, esses encontros eram chamados de Noite da Cerveja e, neles, a possibilidade de se fazer amizade à primeira vista não era irreal. Mas temos certeza de que, com tônico refrigerante, ninguém faz amizade com ninguém. A ânsia por democracia não emerge de um refresco de limão. Os discursos têm tudo para serem péssimos, pois não haverá interrupções agradáveis do tipo “Ei, senta aí!”, do camarada da última fileira. Se alguém começar a cantar “P. H. Theopold é um bom companheiro…”, é provável que o faça sem muita convicção. Nenhuma vez, durante a noite, algum participante se limitará a dizer “Vá para o inferno, Yale!” e se retirará da mesa. Possivelmente, o mágico não conseguirá tirar nada da cartola a não ser um coelho simpático.

Embora não tenha nos chegado nenhum relato de fonte confiável a respeito desse Encontro de Primeiranistas Fumantes, estamos certos de que foi apenas uma reunião lotada e constrangedora de jovenzinhos que falaram pouco e logo foram para casa.

Mesmo no espírito dos abstêmios mais rígidos deve existir algum remorso pela morte do rum. Ou um sujeito que tenha vivido aqueles velhos e bons tempos não se lembrará da sensação de retidão moral que lhe foi conferida pela primeira vez em que ele disse “Para mim, só um cigarro”?

Apesar de terem nos deixado completamente sem rum, ainda temos as nossas memórias. Nem todos os dias de nossas vidas foram tristonhos. Lá nas primeiras páginas do nosso diário, está o registro da viagem que fizemos a Boston, com William F., no inverno rigoroso de 1907. Foi acertado que nenhum de nós poderia tomar o mesmo tipo de bebida duas vezes. William, determinado, chegou a 19 variedades, mas nós o superamos com 24. Um exame minucioso nos revelou que a entrada no diário foi escrita muitos dias depois. A letra também está um pouco tremida. Mas, se não fosse essa aventura, poderíamos ter vivido e morrido sem ter a mínima ideia do que seja um Angel Float4.

Naquela época, havia mais concórdia entre as pessoas. F. M. W. parece, em vários aspectos, um homem pouco sensível, mas foi ele que, um dia, calhou de estar na rotatória entre a rua 59 e a Broadway antes do amanhecer e parou para chamar a atenção dos passantes para a estátua de Colombo. “Olhem p’ra ele”, disse. “Cristóvão Colombo! Ele descobriu a América e depois o prenderam e mandaram de volta para a Espanha.”

Ele chorou, e então percebemos, pela primeira vez, que dentro daquele corpo tosco batia um coração de ouro.