Entre a imaginação e a realidade - A poesia de Wallace Stevens em "Harmonium"

A tradução comentada do primeiro livro do poeta norte-americano Wallace Stevens valeu ao historiador Alessandro Funari o título de doutor em Estudos da Tradução pela USP

A tradução comentada de Harmonium, primeiro livro do poeta norte-americano Wallace Stevens, valeu ao historiador Alessandro Palermo Funari o título de doutor em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo (USP), em 2024.

Lançado por Stevens em 1923, aos 44 anos, Harmonium reúne 74 poemas escritos entre 1914 e 1923, em sua primeira edição. “Nos temas abordados no livro estão: o fazer poético e o valor da poesia; a união/dualidade entre imaginação criativa e realidade objetiva; amor e sexo em relação ao envelhecimento; a relação da poesia e poetas modernos com poetas do passado; anticlericalismo e morte. Destes, o que parece por vezes se sobressair aos outros é a relação entre imaginação e realidade”, afirma o tradutor.

A Pernambuco publica quatro poemas de Harmonium traduzidos por Funari, para a nova edição brasileira a sair pela Cobalto. Stevens faleceu aos 75 anos, em 1955, ano em que lhe foi dado o Prêmio Pulitzer de Poesia por Collected poems.

Desilusão das dez horas
As casas são assombradas
Por camisolas brancas.
Nenhuma é verde,
Ou roxa de anéis verdes,
Ou verde de anéis amarelos,
Ou amarela de anéis azuis.
Nenhuma é estranha,
Com meias de renda
E cintas de contas.
Ninguém há de Sonhar com babuínos e abelheiras.
Apenas, ora e outra, um velho marujo,
Bêbado e dormindo às botas,
Apanha tigres
No céu vermelho.

Disillusionment of ten o’clock
The houses are haunted 
By white night-gowns. 
None are green, 
Or purple with green rings, 
Or green with yellow rings, 
Or yellow with blue rings. 
None of them are strange, 
With socks of lace 
And beaded ceintures. 
People are not going 
To dream of baboons and periwinkles. 
Only, here and there, an old sailor, 
Drunk and asleep in his boots, 
Catches tigers 
In red weather. 

Chá
Quando a orelha de elefante no parque
Franzia sob o frio,
E as folhas sobre as vias
Corriam como ratos,
A luz de sua vela pousou
Sobre almofadas radiantes,
De sombras-mar e sombras-céu
Como guarda-sóis em Java.

Tea
When the elephant’s-ear in the park 
Shrivelled in frost, 
And the leaves on the paths 
Ran like rats, 
Your lamp-light fell 
On shining pillows, 
Of sea-shades and sky-shades 
Like umbrellas in Java. 

A carga de cana-de-açúcar
O sulcar da jangada          
É como água corrente;

Como água corrente
Pelos juncos de jadeSob os arco-íris;

Sob os arco-íris
Que são como aves,
Revoando, ataviadas,

Sempre que silvam sopros,
Como os sanhaços,

Quando se alçam
Ao turbante vermelho 
Do barqueiro.

The load of sugar-cane
The going of the glade-boat 
Is like water flowing; 

Like water flowing 
Through the green saw-grass 
Under the rainbows; 

Under the rainbows 
That are like birds, 
Turning, bedizened, 

While the wind still whistles 
As kildeer do, 

When they rise 
At the red turban 
Of the boatman.

O homem de neve
É preciso uma mente de inverno
Para atentar à geada e aos galhos
Dos pinheiros cobertos de neve;

E ter-se há tempos no frio
Para olhar o cedro escarpado em gelo,
E abetos brutos no brilho distante

Do Sol de janeiro; e não pensar
Nalguma desgraça no ruído do vento,
No ruído de algumas folhas,

Que é o próprio ruído da terra
Cheia do mesmo vento,
Que sopra no mesmo ponto nu

Para o ouvinte, que ouve na neve,
E, ele nada, contempla
Nada que não está lá e o nada que é.

The snow man
One must have a mind of winter 
To regard the frost and the boughs 
Of the pine-trees crusted with snow; 

And have been cold a long time 
To behold the junipers shagged with ice, 
The spruces rough in the distant glitter 

Of the January sun; and not to think 
Of any misery in the sound of the wind, 
In the sound of a few leaves, 

Which is the sound of the land 
Full of the same wind 
That is blowing in the same bare place 

For the listener, who listens in the snow, 
And, nothing himself, beholds 
Nothing that is not there and the nothing that is.