Todas as minhas mortes (Citadel, 2024) é o romance de estreia da artista Paula Klien (Rio de Janeiro, 1968), A história se desenvolve toda a partir da personagem Laví (implicitamente, La vie), que talvez seja um alter ego da autora. Aborda várias questões do universo feminino, convidando o leitor a refletir sobre a vida, a morte e o prazer.
De uma forma direta e crua, aborda temas como erotismo, sexo, paixão, amor, família, maternidade, cura e fé. Sem pudor, desafia os pudores, as convenções, os padrões, embora nada traga propriamente de novo. Sob o aspecto da riqueza ou pobreza da linguagem, é tão antigo o livro quanto a nova e sempre reincidente voga do chamado romance de autoficção, rótulo de Serge Doubrovsky (Fils, 1977), mas anterior a ele. Quase meio século depois, o gênero ganhou tal fôlego e popularidade, que fez uma das expoentes atuais, Annie Ernaux, ganhar o Nobel de Literatura (2022).
Klien consegue chamar a atenção do leitor, desde as primeiras linhas, pela sinceridade e o modo coloquial e meio debochado de expressão. Tudo isso temperado com humor. Sob a forma de um monólogo que atrai pela energia e peca pela linearidade sem requintes de boa literatura.
Se há uma arte poética na pequena morte (que remete ao orgasmo, obviamente), ela está implícita, pois não trata apenas desse tipo de morte que é o trágico fim da vida; também metáfora das adversidades que, às vezes, faz o sofrimento parecer um dos esgares da morte. Tudo a partir da vida cotidiana. O livro tenta responder afirmativamente a coisas assim, como representação singela do tão conhecido par Eros e Tanatos.
Os dois primeiros capítulos estão focados em explorar e expor o erotismo de Laví, desde a infância. Termina por lembrar, mas sendo uma versão empobrecida, da provocação feita por Hilda Hilst em O caderno rosa de Lori Lamby. A sexualidade feminina está exteriorizada de maneira franca e direta. Um livro parco em recursos de estética literária, mas intenso, e pronto para agradar ao leitor/leitora, como Cinquenta tons de cinza. Intensidade talvez seja a palavra-chave da forma como Klien articula sua história.
A autora explora com vivacidade os clichês, sem que o livro deixe de ser, ao seu modo, também um conjunto de lugares-comuns. Busca o efeito, e consegue isto, sem dúvida. Inclusive, quando explora o desconforto. Seja no rito de passagem para a vida adulta da personagem-narradora, seja nas fricções, quase sempre dolorosas, do amadurecimento.
Uma virtude do livro é a clareza quanto à forma de expressão, pautado num certo caos dirigido. Sem perder a mão nas incoerências e contradições.
No decorrer da história, a narrativa volta ao passado com dores e perturbações vividas pela personagem, mostrando que a vida não foi fácil para ela. A autora descreve os prazeres e dores de um corpo feminino marcado pelo encontro com o sexo e a realidade (ambos sendo ao mesmo tempo vitais e mortais).
O romance parece só falar de sexo, mas faz disto apenas um pretexto para algo mais amplo: como a mulher se relaciona com o seu corpo e sua mente. A obra mostra também como Laví se reinventou e se reconstruiu, para superar ou conviver com as inquietações, ansiedades e angústias, fazendo suas escolhas e agindo para que as coisas boas prevaleçam na sua vida.