Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles… O Brasil é um país com centenas de grandes escritores e possui uma tradição literária forte, capaz de refletir a história da nação. Mesmo nesse cenário, o Dia Internacional do Livro surge como mais um momento para levar a sociedade a refletir sobre a importância da leitura, uma vez que o índice de quem não lê é preocupante.
De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, os brasileiros leem uma média de 3,96 livros ao ano e mais da metade da população não lê sequer trechos de um único livro em 365 dias. Esses dados refletem uma sociedade cada vez mais tecnológica, onde o trabalho não permite descanso e auxiliares virtuais (as Inteligências artificiais, por exemplo) se tornaram capazes de simplificar diversas atividades. Se antes, curioso para conhecer a história de um livro best-seller, era habitual a compra e leitura dessa obra, hoje basta pesquisar no Google e rapidamente ler um resumo genérico de poucas linhas.
Diante dessa realidade, quando o tempo parece escasso à leitura e as atividades de lazer se multiplicam e se distanciam cada vez mais de do hábito de ter um livro em mãos, diante dos olhos, quem hoje em dia lê?
A resposta é simples e direta: quem quer (e pode). Os leitores de hoje são aqueles que, de alguma maneira, sentem na leitura um prazer distinto dos demais; que provavelmente foram estimulados ainda criança pelos pais, irmãos, parentes, amigos e professores; talvez aqueles que, em algum momento despretensioso, tenham lido uma obra extraordinária, capaz de criar em si mesmos a vontade de devorar cada vez mais narrativas. Acima de tudo talvez, os leitores são aqueles que podem investir nesse hobbie. Afinal, a diminuição de leitores do Brasil nos últimos anos se relaciona diretamente com a situação econômica do país e do seu povo, que hoje soma 27,4% de pessoas em situação de pobreza, de acordo com a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2024, e o livro para muitos é um bem supérfluo.
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, evidenciou que o grupo de jovens de 11 a 13 anos é o que mais lê no Brasil, formando um porcentual de 81% de leitores. Depois dessa idade, esse número apenas se torna mais baixo, até atingir o índice de 32% com os idosos de 70 anos ou mais.
Teoricamente, na escola os jovens possuem um contato com livros didáticos e paradidáticos, possuem acessos facilitados a bibliotecas e são estimulados pelos professores a se aventurarem em obras literárias. Na prática, essa realidade não é tão democrática, porém ainda assim, muitas crianças e adolescentes conseguem mergulhar de cabeça na literatura.
Beatriz Férre, por exemplo, tem 21 anos e é uma ávida leitora desde muito nova. “Eu gostava de livros antes de saber ler. Tem uma foto minha bebê, em que eu tô segurando um livro de ponta cabeça, super intrigada. Eu era uma criança muito tímida, e achava que não queria contato com o mundo, que não queria socializar, mas, no fundo, tudo que eu mais queria era entender o mundo, ter alguma noção de como as pessoas funcionam, sabe? Então, eu acho que ler foi uma forma de eu conseguir acessar, num ambiente controlado, o mundo e as outras pessoas sem ter que me colocar em risco”, conta.
Partindo da timidez, Bia cresceu arrodeada de livros, buscando-os como um degrau de conhecimento para descobrir mais sobre o mundo lá fora. Se ainda criança lia obras infantis, passou a ler ficção e se encontrou ainda mais na poesia, um gênero que antes a trazia confusão, mas que passou a oferecer um aconchego a respeito das questões humanas que não são respondidas facilmente.

Assim como ela, Evelyn Siqueira, de 20 anos, adentrou o mundo da literatura bem cedo. Começou a ler gibis e histórias infantis e as obras literárias indicadas pela escola, mas foi quando decidiu ler Dom Quixote por conta própria que se apaixonou completamente pelas possibilidades infinitas dos livros.
Estudante de direito, Evelyn afirma que os livros que leu a tornaram mais qualificada para lidar com as diferenças e não reproduzir preconceitos: “É muito importante ter contato com diferentes tipos de linguagem, diferentes tipos de pessoas e ideias, ter uma mente muito ampla sobre diversas coisas. Eu sou de São Paulo, sou do Sudeste, mas li literatura nordestina a minha vida inteira, então, o preconceito que talvez pessoas do Sudeste sintam, eu acredito que as pessoas que tenham lido, se identificado com a cultura, e visto mais de perto, tenham uma amplitude maior sobre o assunto”, comenta.
“Eu acho que a literatura me transformou, mudou a minha personalidade, minha mentalidade. Acho muito importante você levar acesso à informação pras pessoas porque a literatura é um meio de cultura e é importante você conhecer a si mesmo e o outro a partir da literatura”, conclui.

Da mesma forma que Bia e Evelyn, o potiguar Ian Lucas, 18 anos, concorda que os livros foram essenciais para sua formação como ser humano. Ele aprendeu a ler com cerca de 5 ou 6 anos e passou a ser muito incentivado pelos pais a adquirir o hábito de leitura. De quadrinhos da Turma da Mônica a histórias com narrativas em prosa mais densa, o menino passou a adorar o tempo com seus livros.
Ele explica: “Desde cedo eu tive esse contato com a leitura e pude enxergar novas perspectivas, aprender um pouco mais da nossa realidade e desenvolver mais senso e pensamento. Eu acho que tudo que eu aprendi na vida, devo um pouco à leitura”.
Ainda ressaltando a importância que dá para a literatura, Ian afirma que seria uma pessoa diferente sem o acesso à leitura. Acredita que o incentivo do hábito por parte de pais e professores é essencial para estimular a criatividade, imaginação e até mesmo o desenvolvimento da aprendizagem, da escrita e da linguagem de crianças.
A tese defendida por Ian pode ser comprovada por uma variedade de estudos e pesquisas acadêmicas de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento. A escritora e crítica literária Nelly Novaes Coelho, em seu livro Literatura: arte, conhecimento e vida, afirma: “Literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor; é arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível realização”.
Os primos Ana Kostic, de 9 anos, e Mateus Brandão, de 8, são crianças que valorizam a leitura, ainda que não compreendam todos os pormenores das vantagens que ela pode trazer. Ambos são netos do médico e escritor Ronaldo Correia de Brito. Desde cedo, a paixão pelas palavras foi incentivada e levada muito a sério pela família.
Ana atualmente está relendo os 7 livros que compõem a saga de Harry Potter, e explica que adora ler obras infantojuvenis que exploram a fantasia e realidades desconhecidas, como acontece com os livros do bruxo e na saga de livros Diário de Pilar, que Ana também adora. “Para mim, ler é muito bom. É como se fosse uma parte de mim só que fora do meu corpo”, conta.


Além de ler, Ana gosta de escrever. Justamente por ter o hábito da leitura teve mais facilidades nas aulas que envolvem produção textual, chegando até a cogitar ser escritora quando crescer. Mas adverte que não tem certeza ainda, pois tem muitas coisas que deseja ser no futuro. Em comum com Mateus, ela compartilha o gosto pelos clássicos gibis da Turma da Mônica, que há mais de 60 anos são um instrumento de educação e até mesmo de alfabetização para brasileiros.
Além dos quadrinhos, porém, a coleção do escritor Jeff Kinney, Diário de um banana, também contribuiu para que Mateus descobrisse o gosto pela leitura: “Quando eu comecei a ler Diário de um banana, fui achando engraçado e lendo mais, aí eu comecei a gostar.”
Os relatos de Ana e Mateus são importantes para demonstrar a importância que o hábito da leitura pode ter, principalmente quando ele começa a ser adquirido ainda na infância. Esse hábito, contudo, vem se tornando cada vez mais escasso.
A escritora, jornalista e pintora Ana Maria Machado, da Academia Brasileira de Letras, escreveu no livro Entre vacas e gansos: “Em termos bem simples, estou convencida de que o que leva uma criança a ler, antes de mais nada, é o exemplo. Da mesma forma que ela aprende a escovar os dentes, comer com garfo e faca, vestir-se, calçar sapatos e tantas outras atividades cotidianas. Não é natural, é cultural. Isso é tão evidente que nem é o caso de insistir. Se nenhum adulto em volta da criança costuma ler, dificilmente vai se formar um leitor”.
Em um Brasil que se lê uma média de 3,96 livros ao ano, qual é o exemplo que os adultos estão dando a suas crianças e jovens?