Outras peles, título do livro que sairá pelo Círculo de Poemas, traz também peles invisíveis, são poemas inéditos, mas que transformam a “Visão dos invisíveis”, poema em prosa também inédito, em movimentos dinâmicos, pontos de reflexão. E por isso mesmo flutuam em espaços de absoluta liberdade, livres de quaisquer amarras que não sejam a própria pulsão de uma potente luz poética a refulgir por todos eles sob tons marcadamente surrealistas. Memórias que se enovelam a universos tanto reais quanto simbólicos. Tantas imagens concretas a perpassarem mundos invisíveis. Em certo sentido, são ótimos versos que parecem dar continuidade ao último livro publicado pelo poeta mineiro Lucas Guimaraens, o excelente Amarrar o corpo na lua.
Aqui, três poemas dessa lavra, exclusivos para a Pernambuco:
Bilhete de socorro
Este vidro fácil
de trincas evidentes
um dia brilha, outro estrelas
uma vaga de mar leva como
se fosse garrafa com bilhete
de socorro – ou despedida –
um sopro – paixão medida –
uma história – desconhecida.
Este corpo frágil não mede
sua vida – convive com mentiras –
no entanto foge de calabouços
busca águas-vivas de fora
do submarino que foi
mas não voltará.
Tomar chuva
A juventude tivera sido
cheiros e tatos um cão
farejado que entranha
poros e pelos
que não dorme porque eriçado
que não julga porque sem tempo a perder
que o outro sou mais eu
que meu pai e minhas mães diziam
línguas que se tocam enquanto
o lençol evapora insaciadamente
lembranças do cansaço
de trabalhador ao fim do dia
de suas pernas com as minhas
das esquinas e suas navalhas.
Volto ao banheiro e giro a torneira.
Não há o que fazer senão tomar chuva.
Oxidado
De onde vieram as palavras
das montanhas sobretudo
das fotos velhas e amarelas
dos livros dos pais e mais
de lembranças quase esquecidas
tudo é silêncio numa onda
que não dá barato
que não dá surf
mas tem cheiro
do guardado
inevitável
sentimento
oxidado
e ainda
vivo
carcomido
como
peixinhos
do mar.