Três poemas de Maurício Vieira

O retrato

«in motion without pause » Wordsworth

a forma, em movimento ou pausa,
posa para o que a retrata,
sobre tela de moldura discreta,
traço de vária nitidez e contraste.

ao ar livre, conforme a hora,
a tinta em movimento sem pausa,
o retrato se altera, o traço ora
longo, curto, ou apaga-se.

certos retratos são aquarelas,
traços em tinta de nuvem
nas concavidades da tela.
no breu, forma e traço se fundem;

repousa o retrato sobre aquela.
no interior varia menos o traço,
os movimentos da forma contidos
por limites de tinta, moldura e tela.

a forma, menos movimento mais pausa,
certora se desgasta, perde seu traço;
bordeada por moldura bem delineada,
funde-se à tela, deixando seu retrato

Líquen

dois reinos partilham
a mesma fronteira

maldominado o nosso
avançamos sobre o alheio

Membro fantasma

galho fantasma por onde
corre seiva fantasma que eclode
e faz-se em broto  fantasma e logo
irrompe em folha fantasma abanando
no invisível a captar claridade para outra
seiva fantasma e explodir em flor fantasma
chamando inseto fantasma com néctar fantasma
e ave fantasma em ninho fantasma ainda mais com
fruto fantasma ocultando semente fantasma e sob
luz incidente criar sombra fantasma com talvez
mais membros, miúdos braços pernas também
fantasmas galgando ramo fantasma que em
temporal oscila, mas isto é só projeção da
árvore, pois onde era galho há muro,
rolha ou furo de onde emana,
por membro fantasma,
pouco fantasma dor

Maurício Vieira (Santo André-SP, 1978), é autor dos livros de poesia Manual onírico de jardinagem e As mãos vazias, do romance A árvore oca, do infantil Floresta (ilustrado por Jonathas Martins) e da antologia lusófona de ecopoesia, O livro do verso vivo (com Thássio Ferreira). Organiza em Lisboa os saraus Doidos Diversos e Ciranwda Poética. Edita a revista Arvoressências.