Esplim

Caí um dia no mais penoso esplim,
Entediava-me tudo que era meu.
Senti o despeito que abalou Caim,
Reneguei a sina que o acaso me deu,
E, esmagadoramente, pesou em mim
O remorso de não querer ser eu.
O desalento aos poucos aumentava.
Cansado do que sou e do que fui,
Vi-me semelhante a um vulcão sem lava,
Uma coisa oca, que não evolui;
Opondo-me ao que Heráclito pregava,
Achei que eu era um rio que não flui.
Tal como um galo fraco numa rinha,
Desejava poder me transformar,
Queria bem mais força do que tinha;
Porém, no clímax desse mal-estar,
Uma voz que eu ignorava de onde vinha
Disse: “É tarde demais para mudar!”