A literatura em língua portuguesa perdeu uma de suas maiores expressões contemporâneas. A poetisa Adília Lopes morreu aos 64 anos, no Hospital de São José em Lisboa, onde estava internada. Nascida Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira na capital portuguesa em 20 de abril de 1960, ela estreou aos 24 anos, após ter chamado atenção ao ser incluída numa coletânea de autores inéditos pela Assírio & Alvim, pela qual publicaria seu primeiro livro, Um jogo bastante perigoso.
Em 2024, comemorou-se os 40 anos de literatura de Adília Lopes. Uma carreira com uma bibliografia de 36 títulos, entre eles, Dobra – Poesia reunida, que ganhou uma nova edição, incluindo inéditos. Entre suas principais obras estão: O decote da dama de espadas, O Poeta de Pondichéry (baseado num personagem de Diderot, Estar em casa, Dias e dias, Choupos, Irmã Barata, irmã Batata e Bandolim.
A poesia foi uma porta de salvação para Maria José, quando teve um surto de psicose esquizoafetiva, durante o curso de Licenciatura em Física na Universidade de Lisboa. O distúrbio de humor levou a uma descida aos infernos, como ela afirmou, certa vez. A consciência da depressão e da dificuldade de as pessoas se darem com as doenças mentais, ela fez questão de tornar público em sua obra e em entrevistas.
Ao decidir deixar a física de lado, Maria José optou pela Licenciatura em Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa (1983-1988), na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi nesta altura que surgiu pseudônimo Adília Lopes, com o qual se confunde sua persona, sugerido por um amigo para concorrer ao Prêmio de Prosa da Associação Portuguesa de Escritores de 1983. Não ganhou a láurea, mas estimulou-a a procurar a editora Assírio & Alvim. Por outro lado, não se identificava com o nome de batismo dado pelos pais, com os quais tenha problemas de relacionamento.
“Há uma pessoa em mim que é muito feliz, muito infantil, que anda sempre aos saltos”, disse em entrevista a Carlos Vaz, no blogue O Funcionário Cansado. Ao mesmo tempo, há uma outra parte da escritora que se preocupa com as coisas do cotidiano, as contas a pagar. A primeira, identifica-se mais com Adília. A segunda, com Maria José. “Eu me balanço entre as duas”, afirmou a poetisa.
Ao lamentar a morte de Adília Lopes, a ministra da Cultura de Portugal, Dalila Rodrigues, destacou que a poetisa era ‘uma das mais originais e inconfundíveis vozes da poesia portuguesa”. Ressaltou ainda que: “A partir da dimensão afetiva que atravessa os seus versos, soube inovar através de uma exploração linguística profundamente original, sendo por isso reconhecida e acarinhada pelos seus leitores".
Organizador de uma antologia de poemas de Adília Lopes, o escritor Valter Hugo Mãe expressou a certa altura suas impressões a autora do livro Manhãs (2015): “O que desarma em Adília Lopes é a impressão de que a mulher-a-dias desatou a escrever poesia. A estranheza que nos causa é a da erudição inesperada de uma doméstica, com todas as suas questões práticas e filosóficas passadas pela estética crua de versos sem um propósito de beleza, apenas a pragmática anotação dos tópicos”.
A consciência de sua saúde mental permitiu a Adília Lopes soltar os freios de sua escrita, vista por muitos como despudorada, até mesmo pop (coisa que ela de certa maneira refutava), e ao mesmo tempo capaz de romper com os padrões de normalidade e as convenções, denunciar a violência colonial e simbólica, atacar a sociedade patriarcal. Tudo isto está presente numa obra que é um esboço de uma biografia que se escrevia a cada verso e a cada livro, Como se Adília Lopes se escrevesse em Maria José e vice-versa, com seu microcosmo doméstico e os mergulhos ao seu mundo interior.
O presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, se pronunciou oficialmente sobre a morte de Adília Lopes, em uma postagem na página oficial do governo:
"Desde os primeiros livros, na década de 1980, que Adília Lopes estendeu o conceito do poético na poesia portuguesa contemporânea, jogando, de forma lúdica ou sofrida, com o trivial, o confessional, o falsamente inocente, o humorístico, o desarmante e até o perverso, não deixando de manter uma mundividência mais benevolente do que céptica, e jamais cínica.
Havia nos seus versos e nas suas anotações diarísticas uma dimensão de divertimento e um subtexto de desamparo que a tornaram única na sua geração e em qualquer geração.
Teve uma vida tão intensa quanto discreta, e o seu aparente prosaísmo deu-nos uma visão alternativa do que é a poesia.”
Antecessor da revista Pernambuco, o Suplemento Pernambuco publicou, em fevereiro de 2021, uma matéria de capa sobre Adília Lopes (ver no link)