A relação do enfant terrible Arthur Rimbaud com sua mãe Vitalie foi marcada por tensão e rigidez. Mas nessa mistura de emoções que muitas vezes compõem as relações familiares, nunca deixou de haver aproximação e carinho de ambas as partes. Durante toda sua vida, apesar de ser o menino rebelde que o eternizou na literatura, Rimbaud manteve-se próximo e sempre que precisava procurava a mãe.
Vitalie era uma mulher austera, religiosa, como muitas da sua época. Após o abandono do marido, o capitão Frédéric Rimbaud, criou sozinha os filhos com disciplina, impondo regras e cultivando um ambiente moralista, que desagradava o anti conformista Arthur. Ela nunca mais voltou a se casar.
Desde cedo Rimbaud rejeitava os valores burgueses e conservadores da mãe. Aos 16 anos fugiu de casa e foi se aventurar em Paris. Apesar disso, nunca cortou completamente os laços com a mãe, retornando várias vezes a Charleville quando suas tentativas de independência falharam.
Seja quando morava em Paris, até sua ida para a África, em 1880, época em que abandonou a poesia e começou a trabalhar como comerciante e explorador, envolvido no tráfico de armas, até a volta para a casa da mãe, em 1891, doente, Rimbaud manteve correspondência extensa com a progenitora. E grande parte do conteúdo delas dizia respeito a dinheiro, problemas financeiros e pressão sofrida para que arrumasse um emprego apropriado, leia-se, que largasse a literatura.
Em 1871, em carta endereçada a Paul Demeny, Rimbaud descreve a pressão da mãe para que assumisse um emprego fixo em Charleville. Ele expressa seu desejo de liberdade e sua resistência às imposições maternas, indicando um conflito sobre sua autonomia financeira e pessoal.
Em correspondências posteriores, Rimbaud frequentemente solicitava dinheiro à família para sustentar suas atividades comerciais na África, o que sugere uma dependência financeira contínua e possivelmente, ressentimentos relacionados à gestão dos recursos familiares.

Um exemplo é a carta enviada em novembro de 1882. “Recebi sua carta de 27 de outubro onde você diz ter recebido os 1.000 francos de Lyon…Tenho 4.000 francos aqui, mas estão depositados junto ao Tesouro Inglês e não posso retirá-los sem despesa. Além disso, precisarei deles em breve. Portanto, retirem 1.000 francos dos que lhes enviei em 1881: não posso me arranjar de outra forma.”
O escritor alagoano Graciliano, por sua vez, também tinha algumas ideias confusas em relação a sua mãe, uma delas é que ela lhe acharia feio. No livro Infância, um relato de cunho autobiográfico, Graciliano fala muito de Maria Amélia Ramos, e do impacto que ela teve em sua formação. Em vários trechos do livro o autor, que era o primogênito, demonstra o receio de que ela não lhe nutrisse carinho. O que pode ser explicado, em parte, pelos 17 filhos tidos pelo casal Sebastião e Maria Amélia. A jovem mãe, de fato, tinha que se desdobrar em 17 e talvez não desse a atenção que cada filho exigia por um simples motivo: excesso de trabalho e de filhos para cuidar.
Quando adulto, Graciliano descreve trechos em que brinca e troca gracejos com a mãe. Talvez tenha descoberto com o tempo que os receios estavam apenas na sua cabeça de menino. Em uma carta pessoal endereçada a ela em 1910, escreve: “Minha mãe. Recebi sua carta, mas só agora posso responder por não ter tido um portador seguro. Estimo que tudo por lá vá em paz”.

Ao se despedir, manda lembranças e brinca com a mãe: “Logo apareço, daqui uns dez anos.” No post script, faz um pedido inusitado: “E as minhas ceroulas? Estou quase nu.”
Outro que tinha uma relação de carinho com a mãe Carmen Carneiro Leão Cabral de Mello foi o poeta João Cabral de Melo Neto. Muitos pensam que sua timidez e recato reconhecidos eram decorrentes da rigidez imposta em casa. Nada mais errôneo do que isso: os pais de João eram liberais, e ao contrário das famílias da época, os filhos podiam dispensar o tratamento de vocês, em vez de senhor e senhora. Além disso, João cresceu livre, com os pés descalços, brincando com os irmãos nos engenhos onde viveram. Seu temperamento triste, entretanto, era um fato. Mas era algo da sua natureza, não provocado pela família.
A proximidade de João com a mãe era tão grande, que ao começar a trabalhar dava-lhe o salário para que ela guardasse e lhe fornecesse o necessário ao longo do mês. Ele próprio admitia que não sabia lidar com dinheiro. O biógrafo Ivan Marques, no livro João Cabral de Melo Neto, conta que o acordo era bom para João, mas não para Carmen. Ela reclamava que, no final das contas, o que ele lhe pedia acabava sendo muito mais do que o dinheiro que passava nas suas mãos.
Um episódio, em particular, chega a ser engraçado. João era um bom jogador de futebol, e estava prestes a disputar uma final de campeonato pelo time América, que era dirigido pelo seu pai, quando o Santa Cruz, time rival, que disputaria a final, descobriu que dona Carmen e sua família paterna eram tricolores.
Foram falar com ela para que João mudasse de time, no que ela consentiu prontamente , para desespero do marido, que tentou por todos os meios mostrar-lhe que ela estava indo contra ele. Não teve jeito. Luiz Cabral foi vencido. Para agradar a mãe, João disputou a final com as cores do time adversário. Apesar da pequena traição - que praticou sem vontade, mas sem dor na consciência - ele nunca deixou de torcer pelo América.
No poema intitulado “Morte da Mãe”, que integra a obra A Educação pela Pedra (1960), ele faz uma homenagem a Carmen. “Morta a mãe, a casa se desmancha/ como um ninho de que o vento se apodera/. Os móveis, os objetos, as coisas todas/ perdem o sentido, como fossem palavras/ que não tivessem mais quem as pronunciasse. “
Esse poema mostra a profunda admiração e sensação de perda que João Cabral sentiu com o falecimento de Cármen.
Outra mãe largamente amada era Francisca Guimarães Rosa, a Dona Chiquitinha. Mulher religiosa, ela transmitiu ao filho João Guimarães Rosa valores que se refletem em sua obra, como a fé, a transcendência, a espiritualidade, a conexão com o sertão e a importância das relações humanas, exploradas na sua obra-prima Grande sertão: veredas.
Sua presença pode ser sentida em diversas personagens maternas e femininas da literatura produzida pelo escritor e diplomata mineiro, como no conto “Sorôco, sua mãe, sua filha”, do livro Primeiras Estórias; “A benfazeja” e “Sinhá Secada”, de Tutaméia - Terceiras Estórias. Chiquitinha aparece de forma transfigurada, sobretudo em personagens femininas fortes, silenciosas, intuitivas e ligadas à terra.
DANIELLE ROMANI, repórter especial da Pernambuco e da Continente