Conhecido por sua escrita agreste, ácida, provocativa, o escritor pernambucano Raimundo Carrero é considerado um dos grandes nomes da literatura nacional. Nesta quinta-feira, dia 3, a partir das 17h, ele lança a novela A vida é traição, na Livraria Jaqueira do Recife Antigo.
No livro, Carrero reafirma sua expertise no uso das narrativas, e mostra uma face pouco conhecida dos seus leitores: além de escrever em um tom memorialista, confessional, ameniza a cadência de suas frases, que adquirem nessa obra um tom mais suave, poético, quase como um solo de saxofone, instrumento que tocava quando criança. Para falar da infância o guerreiro se adoça, mostrando que o passado remoto é algo que o enternece e o faz amenizar sua escrita polêmica.
Em A vida é traição, Carrero nos leva a acompanhar a história de Solano, um menino que acaba de perder a mãe, consumido pela culpa e pela tristeza. O autor cria imagens potentes que exploram temas como a culpa, a morte, a fé e a tormenta interior.
Quase autobiográfica, nessa novela Carrero faz o primeiro mergulho no seu passado, e na morte da mãe, que até hoje lamenta. Ele explica que será o primeiro de vários livros memorialísticos, onde deseja passar a limpo o passado, deglutir sentimentos e colocar os demônios em ordem.
Adianta que tem um novo projeto em pauta, Fogo Sagrado, que aborda o tema da ressurreição. Logo após mergulhará em outro livro confessional, Raízes Amargas, no qual abordará sua adolescência. Abaixo, ele fala de A vida é traição e dos sentimentos que essa obra lhe provocou. Confiram.
Você admite que esse livro é muito importante, que é a sua carta ao mundo. O que o leva a classificá-lo com essa intensidade?
Toda obra de arte literária é um grito, um berro uma forma do autor pedir socorro. Por isso escolhi uma carta, na simulação da literatura, expondo minhas dores e minha insatisfação com o mundo, não só o meu mundo, mas o grande e estranho mundo a que faço referências no livro. Decidi por este caminho desde que conheci o professor Manolakis, personagem de Nikos Kazantzakis, no romance Capitão Mikalis. Trata-se de um velho professor que é humilhado e escarnecido pelos alunos. Ao se recolher à noite, senta-se numa mesinha iluminada por um candeeiro para escrever cartas aos poderosos do mundo ensinando os caminhos capazes de salvar a humanidade da miséria e das guerras..
É verdade que você pretende dedicar-se a produzir mais livros confessionais? Está na hora de fazer um resgate mais potente da sua história, das suas memórias?
Ainda vou escrever um romance sobre a ressurreição, que se chamará Fogo Sagrado e depois me dedico aos confessionais, que começará com Raízes amargas, dedicado a minha vida, a partir da adolescência, ainda na mesma linha de A vida é traição... Minha vida inteira será repassada, com uma visão crítica, é claro
No posfácio você explica que o livro deveria ter sido escrito quando sua mãe ainda era viva, o que seria impossível, pois você tinha 10 anos. Essa culpa pela morte materna, que você diz ser ficção - e que todos que lhe conhecem sabem que sim, pois você adorava sua mãe - não refletiria a culpa de uma criança diante da perda do ser que mais amava?
Eu sempre amei muito intensamente a minha mãe… A gente conversava muito, ela me dava uma atenção enorme. Acreditava muito em mim e tinha um grande respeito pela minha inteligência, que eu nem sabia mesmo o que era... Por isso a morte dela foi um abalo, lastimável... algo incalculável... muito difícil de avaliar. Eu queria que ela soubesse disso por escrito. E eu nem sabia ainda que seria escritor... Na verdade, era um menino em vias de ser alfabetizado... E como era que eu lia tanto quando era menino se ainda estava sendo alfabetizado?
O livro traz um tom poético, suave, quase um solfejo, que destoa um pouco do seu tom agreste, árido. Quanta emoção lhe custou abordar esse tempo que, certamente, foi um dos mais doces da sua vida?
Isso mesmo, você interpreta muito bem na pergunta. Ocorre que eu precisava muito de uma linguagem que se realizasse em muitas vozes. Vozes que eram, também, mais zumbidos do que vozes... Por isso usei o estilo indireto livre, criado por (Gustave) Flaubert. Aquele estilo agreste, direto incisivo, é usado por uma só voz. Sempre foi um grande sonho que carrego no sangue por muito tempo. Agora realizo com todo o meu desejo de criação
Você também levou muito tempo para escrever essa história. Só agora teve coragem?
Para chegar ao centro desta novela precisei de muita coragem mesmo, até porque precisei usar aquilo que aprendi com o escritor André Gide: sinceridade, que ele considerava o elemento principal para que alguém se torne escritor.
Além da sua mãe, todo ambiente da adolescência, das primeiras farras, da primeira mulher estão presentes no livro. É uma saudade que você também não consegue calar?
Sim... As mulheres sempre exerceram um papel importante na minha vida, até porque tenho cinco irmãs, todas muito fortes e decididas.Todas me ajudaram a criar a minha vida...
Em O senhor agora vai mudar de corpo você afirmou que não conseguiu fazê-lo em primeira pessoa. Só em terceira. Em A vida é traição você mistura a duas formas. Foi mais fácil acessar essas lembranças do que as do seu acidente vascular?
Naquela hora e naquelas circunstâncias (após o acidente vascular cerebral), ainda não estava em condições de usar a primeira pessoa, até porque me sentia fragilizado.
Você é conhecido pelos títulos marcantes do seu livro. Esse não é diferente. Mas não tem como deixar de perguntar: a vida é traição mesmo?
No sentido espiritual, sim, até porque temos uma vida marginal, segundo os Evangelhos…porque não seguimos Cristo.
Serviço
A vida é traição
Raimundo Carrero
80 páginas
54,90
Record Editora
Lançamento: Livraria Jaqueira do Paço Alfândega
Quando: Quinta-feira, 3/7
Horário: a partir das 17h