O mundo segundo Fernando Monteiro, por Sidney Rocha

Quando morre um escritor, poeta e cineasta como Fernando Monteiro, se perde um olhar valioso sobre o mundo

Morreu Fernando Monteiro, aos 75 anos de idade, no Recife, onde nasceu. Quando morre um escritor, poeta e cineasta como Fernando Monteiro, se perde um olhar valioso sobre o mundo.

No Brasil, um escritor morre duas vezes. Morre no corpo, como todos, e morre lentamente na memória de um país que lê pouco e celebra menos. Embora bastante premiado como escritor e cineasta no país e fora, o Brasil tem feito silêncio a sua obra porque o tem feito também à literatura, à poesia e ao cinema aos quais Fernando Monteiro era filiado: à literatura, e não à vida literária; à poesia, e não à tolice de versejadores; ao cinema e não à platitude dos filmes.

O conjunto de sua obra é uma carta de esperança para o mundo. Como é a obra dos grandes poetas-inventores, cujo mundo existe para experimentar a linguagem. Entre nós, escritores das gerações mais jovens, sua expressão é também de esperança.

Nas derradeiras vezes, conversamos sobre literatura, o cinema de Rucker Vieira, os clássicos do faroeste, a terrível ascensão do nazifascismo, a Covid, o deliberado projeto de derrota da memória e do patrimônio no Brasil, seu livro-poema Museu da noite, sobre o incêndio do Museu Nacional. Para ele, o mundo havia perdido certa graça. Mas retirava disso arte, linguagem, revolta, essas ferramentas dos grandes artistas, para quem a vida, como o mundo, é só um detalhe.

Então me lembro do amigo Fernando Monteiro pelos seus versos, que agora soam biográficos, naquele museu da noite:

“Quando começou essa morte?

Quando terminará?

Não,

ainda não é possível ver claro

num mundo cego para os começos”

Morreu Fernando Monteiro, lúcido e coerente em tudo.

Sua vida & morte são sua obra, também. Uma coisa só. Fazem parte da mesma estética, da mesma forma de fazer arte, de ver e nos revelar o mundo. Que possamos ver, portanto.