Com seu jeito quieto, tímido, calado, o poeta Carlos Drummond de Andrade podia aparentar ser pouco dado a demonstrações de afeto. Mas por trás da máscara de caxias, de homem sério, no fundo era um grande sentimental. Prova disso foi sua relação com a mãe, Julieta Augusta Drummond de Andrade, que exerceu papel fundamental na educação e formação do filho – o nono de uma prole de 14. E por quem ele sempre expressava enorme proximidade e afeto, seja em atos, seja em versos.
De origem aristocrática mineira, mulher carinhosa, possuidora de uma “doçura triste”, Julieta Augusta e o filho Carlos sempre estiveram, de certa forma, próximos, pois trocaram muitas correspondências – há 198 cartas no acervo do poeta no Instituto Moreira Sales -, a maioria versando sobre assuntos de família. Frequentemente, ele a mencionava em seus textos e sua morte, em 1954, teve um impacto devastador.
Na crônica “O observador no escritório”, Drummond relembra as cartas da mãe: “Há em todas um profundo lamento: do ser apegado à família por intenso amor, aguçado pela separação ou experimentado no desentendimento passageiro. [...] Fico observando, aqui e ali, a delicadeza de suas expressões, o subentendido discreto de umas, a veemência afetiva de outras, o espírito bem formado e seguro das razões morais de sua vida, em que eu ainda não atentara bem, acostumado como estava a encontrar nela apenas o ente sensível e romântico.”
Um dos poemas mais conhecidos sobre Julieta é “Para sempre”, que expressa a saudade e a importância materna. “Por que Deus permite/ que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite/ é tempo sem hora/ luz que não apaga/ quando sopra o vento/ e chuva desaba…” Para Drummond, a mãe “é a eternidade”. “Mãe não morre nunca, / mãe ficará sempre/ junto de seu filho/ e ele, velho embora,/ será pequenino/ feito grão de milho.”
Outra exaltação à mãe está no soneto “Cartas”. Onde ele desabafa: "Há muito tempo, sim, não te escrevo. Ficaram velhas todas as notícias.Eu mesmo envelhecí: olha em relevo estes sinais em mim,/ não das carícias (tão leves) que fazias no meu rosto: são golpes/ são espinhos,/ são lembranças da vida a teu menino, que a sol-posto/perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto/ à hora de dormir, quando dizias/ "Deus te abençoe", e a noite abria em sonho./É quando, ao despertar, revejo a um canto/ a noite acumulada de meus dias,/e sinto que estou vivo, e que não sonho."
Mulheres poderosas
O Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez também tinha uma relação profunda com a mãe, e com as demais mulheres da família. Cresceu ouvindo as histórias fantásticas contadas por sua avó, sob o olhar atento e amoroso de sua mãe, Luisa Santiaga Márquez.
Essas experiências formaram a base do realismo mágico que marcou a literatura do escritor colombiano, especialmente sua obra-prima Cem anos de solidão. As personagens femininas Úrsula Iguarán, Fernanda Del Cárpio e Meme (Renata Remédios), por exemplo, trazem traços que podem ser associados tanto à mãe quanto à avó de Gabo. Ora por serem mulheres de força, sabedoria e resiliência, ora por serem maternas ou que buscam se realizar pelo amor. O oposto dessa representação é a “avó desalmada” de Cândida Erêndira.
No livro Viver para contar o autor revela um pouco de sua relação com Luisa. “Minha mãe era a autoridade moral da casa. Era ela quem resolvia os conflitos, cuidava da educação dos filhos e impunha um sistema de valores baseado na discrição, na fé e na firmeza. Ela era o verdadeiro eixo da família.”, afirmou.
No mesmo livro, descreve uma viagem que fez a Arataca com a mãe. “Ela me contou história da família e da cidade que me fizeram entender que tudo aquilo era matéria-prima para a literatura.”

A relação entre o peruano, também Prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa e sua mãe Dora Llosa Ureta também foi forte, porém ainda mais complexa, pois ele cresceu longe do pai, com quem só teve contato aos 10 anos. Nesse reencontro começou uma relação marcada por conflitos e repressão. O pai foi descrito por ele como violento, autoritário e controlador.
Dora, por sua vez, sempre foi um apoio afetivo e incentivador da veia artística do filho. Amante da literatura, lia para ele na infância e estimulava seus primeiros escritos. Essa convivência aparece de forma recorrente em sua obra. No romance Tia Júlia e o escrevinhador, é possível perceber a nostalgia da infância ao lado da mãe e da família materna em Arequipa e Cochabamba, um mundo que Vargas Llosa perderia ao reencontrar o pai e se mudar para Lima.
No livro O Peixe na Água o autor chega a citar o seu relacionamento com a mãe e o impacto sobre o pai ausente. “Até os dez anos, minha mãe era tudo. Eu a via como bela, risonha, protetora. Mas nunca soube o quanto ela sofria com o desaparecimento do meu pai, e só depois reconheci as concessões que fez por meu bem.”
Em entrevistas, como a concedida ao jornal El País, fala da mãe como “uma mulher de fibra, corajosa, que enfrentou a sociedade de costas por criar um filho sozinha.”