Quando Maiakóvski estreou, a literatura de seu país estava no apogeu da Era de Prata, nomenclatura que designa o modernismo russo. Ao contrário do Brasil, em que o Modernismo foi uma escola literária surgida em 1922, e que basicamente significa vanguarda, na Rússia o Modernismo se instaurou a partir da confluência de várias tendências simultâneas, a primeira delas o Simbolismo, surgido na década de 1890. O Futurismo, a que vai se filiar em 1912, foi uma dessas tendências modernistas, a com proposta mais visceral de renovação, antagonizando com o Simbolismo, mais do que o Acmeísmo, de Akhmátova e Mandelstam, que propunha um retorno à objetividade, sem radicalidades estilísticas.
Enquanto não chegavam os dias que abalariam o mundo, Maiakóvski, exímio declamador e autor de uma poesia com forte apelo musical e, como a de Augusto dos Anjos, repleta de rimas originais, se comprazia em esbofetear o gosto da burguesia da época, algo que o paraibano também fez ao se contrapor à poesia sorriso da sociedade.
Se Augusto dos Anjos valia-se da técnica do impressionismo para a composição de suas metáforas e para a criação de seus mundos doentios, Maiakóvski dava a impressão de imaginar pinturas cubistas e, em seguida, escrever um poema a partir dos quadros que existiam só na sua cabeça, transpondo para a escrita técnicas das artes plásticas como colagem, justaposição, quebra de perspectiva.
Estou vendo Cristo correndo do ícone
a borda aventuada da túnica
beijou, chorando, o lamaçal,
jogo gritos no tijolo
e na inchada polpa do céu transfixo
as palavras frenéticas de um punhal.
Trotski, em Literatura e Revolução, criticava o poeta rural Nicolai Klyuev por ter aderido ao movimento revolucionário “à moda de um camponês”, pois, “A Revolução é antes de tudo uma revolução citadina”. Em 1913, ao estrear na literatura, Maiakóvski não só pressentia a vibração do novo mundo que chegaria como o celebrava a plenos pulmões. Ao amigo, e colega de futurismo, Boris Pasternak, Maiakóvski disse algo que poderia muito bem ser repetido a Augusto dos Anjos: “O senhor ama o relâmpago no céu enquanto eu, o ferro elétrico”.
O ímpeto pela liberdade, tanto política como poética, fez Maiakóvski ter como uma de suas grandes influências iniciais o poeta norte-americano Walt Whitman, vindo a ser acusado, injustamente, por seu rival Sierguéi Iessiênin, de ser um plagiário dele. A paisagem urbana, barulhenta e colorida por anúncios, era, portanto, o mundo novo a ser proclamado por seu profeta, Vladimir Maiakóvski.
Leiam livros em ferro editados.
Sob a flauta há letras de ouro
Vão no arrasto peixes brancos secos
e repolhos com seus cachos louros
Pra que haja um cachorro alegre
rodopia à constelação “Maggi”
E o birô para os assuntos fúnebres
Seus sarcófagos eles que trazem.
No Brasil, a promessa de ruptura encenada não se consumou, pois, nossa tradição para o conchavo conciliatório legou, novamente, o poder a um pacto de poucas mãos. A podridão do mundo de Augusto dos Anjos continua mais atual do que nunca. A Rússia promoveu com a revolução de 1917 uma mudança total na estrutura da sociedade e a elite que era ridicularizada por Maiakóvski, em suas escandalosas apresentações, deixou de existir dando origem ao homus soviectus cujo final marcaria, também, o encerramento do século XX que, de fato, se inicia com Primeira Guerra Mundial, em 1914.
Às vésperas da nova época que surgia, foram lançados dois livros com o mesmo título, um no Brasil e outro na Rússia, tributários da tradição do gênio romântico, os poetas puseram-se no centro dos eventos ao nomear suas obras de Eu. O tempo se retorcia em dois: Augusto cantou aquilo que morria, Maiakóvski o que chegava.