O desejo de escrever era algo antigo ou surgiu após o trabalho na tradução?
— Eu sempre li, muito. Acho que como todo mundo que lê bastante e passa um pedaço da juventude com a cara enfiada em livro, em vez de conversando com as pessoas, em algum momento pensa em escrever. Eu e meu irmão (Rogério), muito jovens, a gente escrevia pedaços de coisas e trocava um com o outro. Isso, sei lá, na adolescência. Mas eu não pensava em fazer Letras, não era uma carreira que eu conhecesse, eu não era de uma família de professores, não era algo que estivesse no meu horizonte.
Então, a literatura veio depois.
— Meu plano era fazer música, e eu fiz música. Fiz exame para o conservatório em Tatuí, fui aprovado, comecei, fazia violão clássico. Sofri uma lesão, e essa lesão me tirou da carreira musical. Abandonei Tatuí, voltei pra Curitiba, ainda passei um mês dando aula com a mão engessada, porque eu curtia, continuava tentando tocar com os dedos que estavam livres, eu me fodi completamente. Fiquei meio sem rumo, a essa altura estava com 18, 19 anos. E meu irmão, que é dois anos mais novo do que eu, ele sabia que queria fazer Comunicação. Ele achava que queria fazer Publicidade, depois ele mudou de trajetória (Jornalismo). “Vou fazer vestibular com o Rogério”, foi meio que a minha motivação. Eu me lembro de pegar o manual do candidato, achava que não ia conseguir passar em nada, estava afastado de cursinho. Olhei, na área de Humanas, os cursos que pareciam interessantes e mais fáceis de passar e escolhi Letras. Meio na louca. No fim das contas, tive nota pra passar em qualquer curso da universidade, mas não sabia disso.
Mas o curso de Letras acabou levando você para a tradução, não?
— Entrando em Letras, achava que ia entrar no curso para me tornar escritor, o que é uma estupidez sem tamanho. Mas acho que é algo que ainda leva muita gente pra lá. Depois, eu descobri a Linguística, a Linguística Histórica, fiquei fascinadíssimo por isso, fui me encaminhando para a Linguística, que é a carreira que eu sigo até hoje dentro da universidade.
E você enxergava também uma carreira como escritor?
— Eu tinha uma noção muito vaga de que eu ia gostar de ser escritor, mas nunca tive um projeto. E não tenho até hoje. Conheço gente, até mais nova do que eu hoje, que tem um projeto, que tem uma necessidade, gente que chegou a ter três, quatro livros inéditos prontos antes de conseguir publicar e não parou de escrever, porque sabia que queria isso. Para mim, isso nunca foi assim. Eu gosto de escrever, eu às vezes sinto necessidade de escrever, eu me divirto fazendo, eu gosto de publicar, mas, veja, eu tenho 50 anos de idade e eu publiquei um livro de poesia, dois livros de contos, sendo que o segundo é uma reelaboração e expansão do primeiro, e agora, um romance. Não é exatamente uma carreira literária, e não sei se um dia vai vir a ser.
Então...
— É uma coisa que me interessa, que me agrada, que tem a chance dizer alguma coisa a algumas pessoas, o que eu faço tem essa chance. Não sei. Gosto de pensar que parte da minha relação com a literatura, e com a arte em geral, vem dessa carreira frustrada de músico, como se eu tivesse sido privado daquilo que eu realmente era um empenho de vida pra mim, e que seria pesado, sério, profundo, complicado, inclusive, difícil de lidar. As outras coisas são bônus. E eu encaro com uma lucidez maior do que eu encararia e encaro até hoje a música.
Hoje, a figura do tradutor tem sido mais valorizada e reconhecida pelos leitores, ao ponto de algumas traduções virarem fator de decisão de compra de um livro. Como você enxerga esse cenário?
— Fico com uma grande felicidade de ter tido a possibilidade de participar desse momento do mercado editorial brasileiro em que a tradução literária ganhou muita maturidade e visibilidade. Essa situação – de começar a considerar que tal tradutor ou tal tradutora é uma espécie de garantia de interesse – é nova. Essa situação não existia há muito pouco tempo. Mas hoje é uma constante. Tenho vários nomes de tradutores que eu coloco nessa lista, e digo que vou ler esse texto porque tenho uma garantia de que: 1) essa pessoa normalmente só trabalha com texto bom, porque já tem um lugar no sistema editorial; 2) o texto em português vai ser de qualidade. Eu acho isso muito legal, muito bacana, muito interessante culturalmente, e me sinto muito privilegiado de ter participado desse momento, desse rito de passagem da tradução literária no Brasil. Quando Ulysses foi publicado, isso estava muito no começo. E gostei de ver isso acontecer de lá pra cá.
Você também escolhe livros por conta dos tradutores?
— Saí pra passear com o cachorro para ler, que é o que normalmente faço, estou carregando um livro de mil páginas, que é o Shahnameh, o Livro Persa dos Reis (do poeta persa Abolqasem Ferdowsi). O Dick Davis, que tinha traduzido A conferência dos pássaros [The conference of the birds, do poeta iraniano Farid-Ud-Din Attar], que é um trabalho magnífico, traduziu o Shahnameh. Fui ler, é um livro de mil anos de idade, uma tradição riquíssima, desconhecida para nós, mas eu cheguei a ele por causa do tradutor.
O desejo de escrever era algo antigo ou surgiu após o trabalho na tradução?
— Eu sempre li, muito. Acho que como todo mundo que lê bastante e passa um pedaço da juventude com a cara enfiada em livro, em vez de conversando com as pessoas, em algum momento pensa em escrever. Eu e meu irmão (Rogério), muito jovens, a gente escrevia pedaços de coisas e trocava um com o outro. Isso, sei lá, na adolescência. Mas eu não pensava em fazer Letras, não era uma carreira que eu conhecesse, eu não era de uma família de professores, não era algo que estivesse no meu horizonte. Então, a literatura veio depois.Meu plano era fazer música, e eu fiz música. Fiz exame para o conservatório em Tatuí, fui aprovado, comecei, fazia violão clássico. Sofri uma lesão, e essa lesão me tirou da carreira musical. Abandonei Tatuí, voltei pra Curitiba, ainda passei um mês dando aula com a mão engessada, porque eu curtia, continuava tentando tocar com os dedos que estavam livres, eu me fodi completamente. Fiquei meio sem rumo, a essa altura estava com 18, 19 anos. E meu irmão, que é dois anos mais novo do que eu, ele sabia que queria fazer Comunicação. Ele achava que queria fazer Publicidade, depois ele mudou de trajetória (Jornalismo). “Vou fazer vestibular com o Rogério”, foi meio que a minha motivação. Eu me lembro de pegar o manual do candidato, achava que não ia conseguir passar em nada, estava afastado de cursinho. Olhei, na área de Humanas, os cursos que pareciam interessantes e mais fáceis de passar e escolhi Letras. Meio na louca. No fim das contas, tive nota pra passar em qualquer curso da universidade, mas não sabia disso.
Mas o curso de Letras acabou levando você para a tradução, não?
— Entrando em Letras, achava que ia entrar no curso para me tornar escritor, o que é uma estupidez sem tamanho. Mas acho que é algo que ainda leva muita gente pra lá. Depois, eu descobri a Linguística, a Linguística Histórica, fiquei fascinadíssimo por isso, fui me encaminhando para a Linguística, que é a carreira que eu sigo até hoje dentro da universidade.
E você enxergava também uma carreira como escritor?
— Eu tinha uma noção muito vaga de que eu ia gostar de ser escritor, mas nunca tive um projeto. E não tenho até hoje. Conheço gente, até mais nova do que eu hoje, que tem um projeto, que tem uma necessidade, gente que chegou a ter três, quatro livros inéditos prontos antes de conseguir publicar e não parou de escrever, porque sabia que queria isso. Para mim, isso nunca foi assim. Eu gosto de escrever, eu às vezes sinto necessidade de escrever, eu me divirto fazendo, eu gosto de publicar, mas, veja, eu tenho 50 anos de idade e eu publiquei um livro de poesia, dois livros de contos, sendo que o segundo é uma reelaboração e expansão do primeiro, e agora, um romance. Não é exatamente uma carreira literária, e não sei se um dia vai vir a ser. Então...É uma coisa que me interessa, que me agrada, que tem a chance dizer alguma coisa a algumas pessoas, o que eu faço tem essa chance. Não sei. Gosto de pensar que parte da minha relação com a literatura, e com a arte em geral, vem dessa carreira frustrada de músico, como se eu tivesse sido privado daquilo que eu realmente era um empenho de vida pra mim, e que seria pesado, sério, profundo, complicado, inclusive, difícil de lidar. As outras coisas são bônus. E eu encaro com uma lucidez maior do que eu encararia e encaro até hoje a música.
Hoje, a figura do tradutor tem sido mais valorizada e reconhecida pelos leitores, ao ponto de algumas traduções virarem fator de decisão de compra de um livro. Como você enxerga esse cenário?
— Fico com uma grande felicidade de ter tido a possibilidade de participar desse momento do mercado editorial brasileiro em que a tradução literária ganhou muita maturidade e visibilidade. Essa situação – de começar a considerar que tal tradutor ou tal tradutora é uma espécie de garantia de interesse – é nova. Essa situação não existia há muito pouco tempo. Mas hoje é uma constante. Tenho vários nomes de tradutores que eu coloco nessa lista, e digo que vou ler esse texto porque tenho uma garantia de que: 1) essa pessoa normalmente só trabalha com texto bom, porque já tem um lugar no sistema editorial; 2) o texto em português vai ser de qualidade. Eu acho isso muito legal, muito bacana, muito interessante culturalmente, e me sinto muito privilegiado de ter participado desse momento, desse rito de passagem da tradução literária no Brasil. Quando Ulysses foi publicado, isso estava muito no começo. E gostei de ver isso acontecer de lá pra cá.
Você também escolhe livros por conta dos tradutores?
— Saí pra passear com o cachorro para ler, que é o que normalmente faço, estou carregando um livro de mil páginas, que é o Shahnameh, o Livro Persa dos Reis (do poeta persa Abolqasem Ferdowsi). O Dick Davis, que tinha traduzido A conferência dos pássaros [The conference of the birds, do poeta iraniano Farid-Ud-Din Attar], que é um trabalho magnífico, traduziu o Shahnameh. Fui ler, é um livro de mil anos de idade, uma tradição riquíssima, desconhecida para nós, mas eu cheguei a ele por causa do tradutor.