Ruy Castro fala sobre "O ouvidor do Brasil", ganhador do Livro do Ano do Jabuti

Livro com 99 crônicas sobre Tom Jobim foi escolhido como o Livro do Ano no Prêmio Jabuti, o mais importante reconhecimento literário realizado no Brasil

O jornalista traçou não apenas um perfil do maestro Tom Jobim , mas recria o ambiente cultural musical entre as décadas de 1950 e 1990
O jornalista traçou não apenas um perfil do maestro Tom Jobim , mas recria o ambiente cultural musical entre as décadas de 1950 e 1990

O escritor e jornalista Ruy Castro foi consagrado com o Prêmio Jabuti 2025, na categoria Livro do Ano, por sua mais recente obra, “O Ouvidor do Brasil”. O livro é formado por crônicas que focam no músico e compositor Tom Jobim, mas principalmente nos anos 1950 e 1960, quando a Bossa Nova tomou conta do cenário musical carioca e brasileiro. 

Lançado em 2024, o livro foi um trabalho elaborado por Ruy , a partir de crônicas selecionadas e escritas na Folha de S. Paulo, nas últimas décadas. Um projeto memorialístico, de deliciosa leitura, onde cada texto foi reescrito para a composição do livro, mas sem a ousadia de outros trabalhos já escritos pelo autor. Ruy Castro, portanto, foi surpreendido: não esperava receber o prêmio. 

“Nunca imaginei (que ganharia o prêmio). Coletâneas de crônicas normalmente não concorrem aos grandes prêmios. Mas este não é bem uma coletânea. Tem um conceito, que é o Tom atrás do piano, e as crônicas foram impiedosamente reescritas. Todo ano saem livros sobre o Tom --- se fosse só por ele, muitos livros sobre ele ganhariam o Jabuti.”explicou Ruy Castro em entrevista à Revista Pernambuco. O prêmio, o mais prestigiado da literatura brasileira, reconhece o talento de Castro em transformar a pesquisa histórica em narrativa envolvente, combinando rigor jornalístico, humor e elegância literária.

Em “O Ouvidor do Brasil", ele faz mais do que narrar a vida do maestro da bossa nova: recria o ambiente cultural e político do país entre as décadas de 1950 e 1990, revelando um Tom Jobim complexo, humano e profundamente ligado à alma musical do Rio de Janeiro. A obra se equilibra entre a biografia e o retrato de um Brasil em transformação, onde a música se torna uma linguagem de resistência e beleza.

Durante a cerimônia de premiação, Ruy Castro agradeceu com a ironia e a delicadeza que o caracterizam: “Este livro é sobre um homem que ouviu o Brasil como ninguém — eu apenas tentei escutá-lo com atenção”. 

Com O Ouvidor do Brasil, Ruy Castro reafirma seu papel como um dos guardiões da memória cultural brasileira, autor de obras fundamentais sobre o samba, a bossa nova e a boemia carioca. O Jabuti consagra não só o livro, mas uma trajetória dedicada a narrar — com inteligência, lirismo e ritmo — o som do Brasil em sua mais pura essência.

Além da estatueta dourada, Ruy Castro recebeu R$70 mil e uma viagem para a Feira do Livro de Londres, que em 2026 celebrará o Ano da Cultura Brasil–Reino Unido. O Jabuti é promovido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e reuniu 4.530 obras inscritas em 23 categorias, distribuídas nos eixos Literatura, Não Ficção, Produção Editorial e Inovação.

Conjunto da obra

A obra de Ruy Castro é uma das mais importantes do jornalismo literário brasileiro. Em livros como “Estrela Solitária:um brasileiro chamado Garrincha”; “Carmen: uma biografia”, e “O anjo pornográfico:a vida de Nelson Rodrigues”, o autor demonstra habilidade em revelar tanto o mito quanto o homem por trás das figuras públicas, sempre com ironia, empatia e ritmo narrativo de romancista. 

Em “Chega de Saudade”, Ruy Castro realiza uma das obras mais marcantes da historiografia musical brasileira. O livro vai além de um retrato da Bossa Nova: é uma crônica da transformação do Brasil urbano e moderno dos anos 1950 e 60, tendo como eixo a figura de Tom Jobim. 

Há poucos meses, Ruy mostrou novamente seu talento para resgatar o passado com precisão e narrativa capaz de prender quem mergulha em suas páginas. Em "Guerra Tropical: A Segunda Guerra Guerra Mundial no Rio", envolve o leitor com narrativas dignas de um romance policial, apesar do rigor histórico do livro, que poderia ser um forte candidato ao Jabuti de 2026. Abaixo, uma pequena entrevista com o autor. Confira. 

REVISTA PERNAMBUCO : O seu livro é uma coletânea de suas crônicas escritas na "Folha de S. Paulo". Você esperava que ele fosse o ganhador do Livro do Ano? Acha que  a escolha se deveu ao conjunto de sua obra, ao livro em si ou à atração que Tom Jobim exerce?

RUY CASTRO - Não, nunca imaginei. Coletâneas de crônicas normalmente não concorrem aos grandes prêmios. Mas este não é bem uma coletânea. Tem um conceito, que é o Tom atrás do piano, e as crônicas foram impiedosamente reescritas. Todo ano saem livros sobre o Tom --- se fosse só por ele, muitos livros sobre ele ganhariam o Jabuti.

REVISTA PERNAMBUCO - Tom Jobim é tema recorrente em seus livros. Qual a importância do compositor, cantor e músico para você? Ele é único? Ou João Gilberto se iguala?

RUY CASTRO -  De fato, falo muito de Tom em meus livros. Talvez porque ele tenha tido uma carreira mais abrangente, que atravessou várias fases e épocas. Além disso, era um cidadão, um homem da rua, muito acessível. João Gilberto não saía de casa -- aliás, não saía nem do pijama. Mesmo assim, o que escrevi sobre João Gilberto em meu livro "Chega de saudade", de 1990, continha inúmeras revelações inéditas, que hoje as pessoas dão de barato, nem sabem mais quem descobriu.

REVISTA PERNAMBUCO - Tom tinha uma musicalidade inigualável. “Chega de Saudade”, na voz de João Gilberto, é um marco. “Passarim” outra obra-prima. Quais são os momentos mais importantes da obra de Tom para você?

RUY CASTRO - Musicalmente falando, todas as fases de Tom são importantes. Para a história, no entanto, fica claro que a de "Chega de saudade", em 1958, foi mais decisiva.

REVISTA PERNAMBUCO - A parceria de Tom e Vinicius de Moraes foi sem dúvida marcante para a MPB. E as músicas de Tom na voz de João Gilberto marcaram gerações. No final da vida  Tom enveredou por um caminho mais experimental. Você é capaz de dizer o que o comove mais?

RUY CASTRO - O que mais me comove, acredite ou não, são os songbooks dele por Elizeth Cardoso e Sylvia Telles.

 REVISTA PERNAMBUCO - Apesar da fama e reconhecimento durante a vida, Tom Jobim ganhou menos dinheiro do que deveria. Quem mais ganhou com a Bossa Nova e com a obra de Tom , Vinícius, Sérgio Mendes?

RUY CASTRO - Tom ficou rico, mas foi muito roubado. E quem mais o roubou foram os letristas, editores e gravadoras americanas. 

O ouvidor do Brasil - 99 vezes Tom Jobim

Ruy Castro

232 páginas

Companhia das Letras

R$ 79,90