O médico e escritor pernambucano Elimário Cardozo é um dos ganhadores do Prêmio Jabuti, um dos mais importantes reconhecimentos literários nacionais. Seu livro Dores em Salva (Editora Patuá), que venceu a categoria Contos, foi anunciado na segunda à noite, dia 27, como o melhor na categoria. Um duplo feito: por ter sido escolhido e por se tratar do primeiro livro escrito, até o momento, pelo premiado.
Professor do curso de Medicina da Universidade Católica de Pernambuco, Elimário jamais havia se aventurado em público pela literatura. E desde a fase das semifinais vem sentindo uma emoção inesperada ao perceber a boa aceitação do seu trabalho. Na terça pela manhã, logo após o anúncio do Prêmio Jabuti, o médico ainda passava por um misto de alegria e perplexidade com a divulgação e premiação de sua obra.
“Nesse momento eu só consigo te dizer que estou muito emocionado e muito grato, na verdade, em perceber o meu trabalho reconhecido. Aos poucos, a ficha ainda está caindo, sabe? Entender ali onde eu estava, aquela premiação, aquilo tudo que parecia tão distante há um certo tempo e, de repente, eu estava ali naquele meio de pessoas que eu admiro muito e ainda saí de lá com o Jabuti, saí de lá como finalista.”, disse Elimário ao comentar a entrega do prêmio, que ele recebeu no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Para a Pernambuco, Elimário detalhou, como se deu o nascimento e a execução da obra: segundo ele, do seu reencontro com a literatura, tanto como leitor quanto como escritor, reunindo histórias que partem de dores humanas e exploram seus diferentes desdobramentos.
Embora sua experiência como médico esteja presente em algumas narrativas, o professor destaca que a escrita se distancia da ciência para se abrir ao imaginário, ao cotidiano e às possibilidades da ficção. Entre suas influências estão contistas consagrados como Lygia Fagundes Telles, Marcelino Freire e Murilo Rubião.
Ao falar sobre a mensagem que os leitores podem encontrar em Dores em Salva, Elimário ressalta a importância da experiência individual de cada um. Segundo ele, mais do que uma única resposta, o livro convida o público a construir as histórias junto com o autor e a encontrar suas próprias interpretações.
Conciliando a carreira na Medicina com a literatura, o professor explica que mantém uma rotina constante de leituras e escrita, mesmo com a exigência da prática médica: “A escrita é parte fundamental da minha vida. Meu compromisso comigo mesmo é manter espaço suficiente para que seja possível essa conciliação”. Abaixo, uma pequena entrevista com o autor
Como foi a sensação de ver que seu livro, o primeiro, foi escolhido na categoria Contos do Prêmio Jabuti?
Nesse momento eu só consigo te dizer que estou muito emocionado e muito grato, na verdade, em perceber o meu trabalho reconhecido. Aos poucos, a ficha ainda está caindo, sabe? Entender ali onde eu estava, aquela premiação, aquilo tudo que parecia tão distante há um certo tempo e, de repente, eu estava ali naquele meio de pessoas que eu admiro muito e ainda saí de lá com o Jabuti, saí de lá como finalista. Um escritor que teve agora seu primeiro livro, já ser reconhecido dessa forma e também muito estimulado a continuar escrevendo e a trazer muitos outros livros para o mundo. Só posso dizer: muiito obrigado.
Você tinha esse trânsito pela área literária? Ou você era um escritor de gaveta, que escrevia e não mostrava nada a ninguém?
Esse livro nasceu do meu reencontro com a literatura, que aconteceu em 2022. Sempre gostei de escrever, mas não vinha tendo uma regularidade de leitura e escrita. Foi a partir da leitura de “Seminário dos ratos” de Lygia Fagundes Telles que eu não pude mais me separar da literatura. Desde então passei a escrever os contos e fui percebendo que eles tinham uma temática em comum. Decidi, então, seguir com essa ideia e o livro foi ganhando forma.
Quantos contos o livro traz e o que ele engloba?
O livro tem 12 contos e eles abordam situações em que o corpo dos personagens foi transformado de alguma forma, seja pelo que chamados de doença ou destino. A partir desse acontecimento as histórias vão ganhando forma.
A partir de agora, você que é médico, vive num ambiente totalmente distante da literatura, vai repensar sua trajetória?
Eu acredito que eu precisei repensar minha trajetória desde que li o primeiro conto de Lygia. Foi na decisão de escrever, na paixão pela palavra, na emoção de terminar um conto, no prazer de retrabalhar o texto, na dor de sair cortando tudo que é excesso, na coragem de entregar para alguém ler, foram nesses momentos que precisei ir repensando minha trajetória e decidir que eu quero ser escritor. O prêmio, por mais que seja importante, é só um efeito dessas decisões.
Como foi o processo de escrita de Dores em Salva? Quanto tempo você levou escrevendo? De que forma se deu o processo criativo?
O livro demorou pouco mais de dois anos para ser escrito e reescrito. Minhas vivências como menino do interior e médico estão muito presentes no texto. O Marcelino Freire foi fundamental para que eu acreditasse na força dessas palavras que eu colocava no papel. Meu companheiro, Smmyth, foi meu primeiro leitor e me incentivava a continuar escrevendo e melhorando.
Você sempre foi muito ligado à literatura? Quem são seus mestres?
Antes da faculdade de Medicina eu lia e escrevia mais, porém, a medicina exige da gente um tempo só para ela e foi difícil, com 17 anos, ter maturidade para dividir as coisas, por isso me afastei da literatura por tanto tempo. Mas a grande Lygia Fagundes Telles me capturou. Ela é minha grande inspiração. Citaria também o Marcelino Freire, de quem sou muito fã, além de contistas clássicos e contemporâneos da nossa América Latina.
Tem algum outro livro na cabeça?
Eu estou escrevendo um livro de contos que deverá ficar pronto no próximo ano.