O lado poético de Auster

Tradutor de poema 'In memory of myself', José Nêumanne Pinto fala à revista Pernambuco sobre o autor norte-americano

Antes de se tornar um autor best-seller por romances como A Trilogia de Nova York e 4321, o escritor norte-americano Paul Auster, falecido nesta última terça (30), aos 77 anos, dedicou-se à poesia. A obra em verso, porém, permanece desconhecida do grande público, apesar de muitos apontarem sua genialidade. Um deles é o jornalista, poeta e escritor paraibano José Nêumanne Pinto, que traduziu o que chamou de ‘poema genial’, “In Memory of myself”, de Auster, publicado no seu livro de poesias reunidas, Solos do silêncio (1996, Geração Editorial).

“Tentei reproduzir o espírito do poema, que acho muito bonito, muito profundo”, declara Nêumanne em entrevista por telefone ao site da revista Pernambuco, acrescentando tratar-se de um tradutor bissexto. Apesar de ter ido várias vezes a Nova York, Nêumanne não conheceu o escritor norte-americano pessoalmente, mas afirmou que possui muita sintonia literária com Auster, cuja obra poética conheceu em meados dos anos 1980, e a quem denomina um “poeta secreto”.


José Nêumanne com seu livro de 1996, Solos do Silêncio
Foto: Isabel de Castro Pinto/Divulgação

“Eu tinha muita sintonia com a obra dele por causa das nossas conexões literárias em comum. Ele tem um certo jeito de dizer poesia semelhante ao [poeta-diplomata chileno] Pablo Neruda”, avalia o paraibano de Campina Grande, que ainda traça algumas influências de outros autores na obra de Auster.

O poeta argentino Jorge Luis Borges, que deu entrevista, em seu apartamento em Buenos Aires, ao jornalista brasileiro, foi referência para o autor norte-americano. Assim como o conterrâneo Edgar Allan Poe – “talvez a maior influência de Auster”, considera Nêumanne. E também o tcheco Franz Kafka, cuja obra A Metamorfose é, para o paraibano, “um livro fundamental da literatura ocidental”. O jornalista também menciona o poeta francês Stéphane Mallarmé, autor do famoso verso “un coup des dés jamais abolira l'hasard” ("Um lance de dados jamais abolirá o acaso").

In memory of myself (Paul Auster)

Simply to have stopped.

As if I could begin
where my voice has stopped, myself
the sound of a word

I cannot speak.

So much silence
to be brought to life
in this pensive flesh, the beating
drum of words
within, so many words

lost in the wide world
within me, and thereby to have known
that in spite of myself

I am here.

As if this were the world.

Em memória de mim mesmo (tradução de José Nêumanne Pinto)

Simplesmente ter parado.

Como se eu tivesse começado
onde minha voz parou, eu mesmo
o som de uma palavra.

Não posso falar.

Tanto silêncio
a ser trazido à vida
nesta triste carne, o pulsante
tambor de palavras
de dentro, tantas palavras

perdidas no vasto mundo
de dentro de mim, e assim ter sabido
que a despeito de mim mesmo

eu estou aqui.

Como se este fosse o mundo.