Ensaísta e poeta, Newton Júnior apresenta um trabalho que se move entre a poesia, a memória e o pensamento crítico. Lançamento será no Furdunço Café e Cultura, na Tamarineira
Nesta quinta, dia 18, a partir das 18h, o escritor e ensaísta Carlos Newton Júnior lança “Do Outro Lado do Tempo”, seu mais novo livro de poesia. O evento será no Furdunço Café e Cultura, na Tamarineira, e seguirá até às 21h, com sessão de autógrafos e confraternização dos presentes.
Com o selo da Nova Fronteira, o livro de Carlos Newton Júnior é um trabalho que se move entre a poesia, a memória e o pensamento crítico, reafirmando uma marca central do autor: a escrita como gesto de escuta - do passado e da tradição de vozes que continuam a reverberar no presente.
A obra trabalha o tempo não como linha, mas como camada. O ontem infiltra-se no agora, e a memória surge menos como lembrança individual do que como patrimônio simbólico, cultural e afetivo. Em “Memória” vemos um pouco disso. “Todos têm a sua história:/Nossa existência preserva/as mais íntimas lembranças,/com os fios de uma trança/em tecidos pela serva/a quem chamamos Memória.”
Poeta e ensaísta profundamente ligado ao pensamento de Ariano Suassuna, Newton Júnior dialoga com a tradição armorial sem cair na repetição folclórica. O que aparece é uma tradição viva, repensada, interrogada, atravessada por melancolia, humor e rigor intelectual, O tempo aqui, não é nostalgia paralisante, mas matéria em movimento.
Contida e musical, a linguagem do livro é marcada por imagens densas e por reflexões sobre a finitude, a arte e sentido da permanência. O livro reafirma Carlos Newton Júnior como um autor que pensa a literatura brasileira a partir de suas raízes culturais profundas, mas com olhar contemporâneo. Abaixo, ele detalha sua estética e novo trabalho.
A memória é um eixo central de sua poesia. A que o senhor atribui essa atenção ao passado como matéria de criação?
Sempre fui muito apegado à ideia (defendida por Fernando Pessoa e T.S. Eliot, entre outros) de que, em arte, a tradição é o ponto de partida para a criação do novo. Além disso, pertenço à família daqueles escritores que jamais escorraçaram a infância de dentro de si. Não é à toa que sou leitor compulsivo de autores como José Lins do Rêgo e Ariano Suassuna, ou, no campo mais específico da poesia, de Manuel Bandeira. Toda a minha visão da contemporaneidade encontra-se assentada naquilo que experimentei ao longo da minha vida. É natural, portanto, agora que me aproximo dos 60 anos, que os meus versos vasculhem a minha memória. A poesia, para mim, é uma terapia, por um lado; e, por outro, uma forma de convencer a mim mesmo de que a minha vida não foi em vão. É o meu testemunho. Se ele vai ficar ou não, aí já não depende mais de mim. Mas o fato é que os meus poemas têm despertado a atenção dos críticos. Prova disso é a minha presença em várias antologias poéticas que vêm sendo publicadas nos últimos anos.
Sua poesia dialoga com elementos medievais e populares. Em que medida o senhor se sente parte do Armorial — e em que medida procura se distanciar dele?
A meu ver, não há nada de medieval na minha poesia. Se a pergunta foi motivada por um poema como “Canção do falso Capitão Tornado”, por exemplo, veja que já no título fica claro que o capitão é “falso”. Trata-se, na verdade, de um pastiche, e não há nada mais pós-moderno do que um pastiche. Minha poesia dialoga, sim, com elementos da poesia popular, sobretudo do ponto de vista da forma. É visível que trabalho menos o verso livre, e mais o verso metrificado. Mas, neste último caso, minha poesia tanto abarca o soneto, forma erudita, quanto o martelo, forma popular. Uso muito, também, o verso de sete sílabas, talvez mais pela influência da poesia popular do que da erudita. Há uma confusão muito grande quando se fala no Movimento Armorial, sobretudo atrelando o Armorial ao medievo. A questão já foi muito bem esclarecida pela pesquisadora francesa Idelette Muzart, no seu livro Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o Movimento Armorial, de 1999. O que ocorre, no Armorial, é um apego às poéticas da voz. Isso, na verdade, é mais antigo do que o medievo. Vem das origens da própria literatura ocidental. Por outro lado, costuma-se restringir a poética armorial, estabelecida por Ariano, à primeira fase do Movimento, de 1970 a 1975, por ele chamada de “Experimental” e muito atrelada ao folheto de cordel. Mas em textos posteriores, das décadas de 1980 e 1990, Ariano aprofundou a sua análise, abarcando a arte rupestre brasileira, a arte latino-americana e a arte africana. Idelette me insere numa terceira geração de artistas armoriais. O meu livro mais atrelado ao Movimento Armorial é certamente "Canudos, poema dos quinhentos", editado em 1999 pela Universidade Federal do Ceará. Não procuro me afastar das minhas influências, pois entendo que todo escritor, em algum momento, é influenciado por algo que leu e de que gostou. Até mesmo inconscientemente. Mas é muito difícil analisar criticamente a minha própria poesia. Deixo isso para os críticos profissionais.
Sua poesia é marcada por economia verbal e musicalidade discreta. Como é feito esse processo de reescrita?
O verso surge de forma muito natural. Quando o primeiro verso de um poema vem metrificado, a metrificação se estende pelo poema inteiro, condicionando em boa parte a sua musicalidade. A economia verbal faz parte do ofício do poeta. Ele deve dizer o máximo com o mínimo de meios, numa busca incessante pela concisão. Não se deve confundir, porém, concisão com poema curto.
Qual é o papel do silêncio na sua criação poética?
O poema não deixa de ser um jogo, e, nesse sentido, o leitor também deve saber jogá-lo. No início do seu livro Barulhos, Ferreira Gullar fez uma advertência importante, pedindo ao leitor o favor de ler devagar. O espaçamento entre as estrofes de um poema são momentos de silêncio, muitas vezes necessários para enfatizar o que vai ser dito depois. Quanto ao meu processo de escrita, só sei escrever no mais absoluto silêncio, e não gosto, particularmente, da declamação do poema. Poema, para mim, é para ser lido também em silêncio.
Há um componente espiritual forte em muitos de seus poemas. Essa dimensão surge como herança do Armorial, como experiência pessoal ou de ambos?
Talvez mais da experiência pessoal mesmo. Acho a fé uma coisa formidável, pelo conforto que proporciona às pessoas. E considero a exploração da fé das pessoas menos esclarecidas, empreendida pelos charlatões e apóstolos de fancaria, um crime abominável. Infelizmente, sou um homem de pouca fé. Isso, porém, não me leva a desdenhar da ideia de destino, o que pode parecer contraditório. O grande mistério, o maior de todos, e que a meu ver está na origem de todas as filosofias, é a dúvida sobre o que vem depois da morte — a consciência individual permanecerá? Às vezes o eu lírico do poeta pode se mostrar bastante confiante em sua visão do além-túmulo. Mas é preciso pensar sempre na lição de Fernando Pessoa, quando dizia que o poeta é um fingidor.
Em que ponto seu trabalho como crítico interfere — ou ilumina — seu trabalho como poeta?
Tenho a impressão de que a experiência crítica dá ao poeta a confiança para seguir em frente. Na idade em que estou, tenho plena consciência de que a minha poesia tem algum valor, caso contrário não me daria ao trabalho de publicá-la. Como já devo ter deixado claro, a poesia para mim é uma necessidade de sobrevivência existencial. Mas, ao mesmo tempo, quero deixar para os que virão algo da minha visão de mundo. Não se faz isso por megalomania, mas por vontade de participação.
E o contrário: de que maneira o poeta interno se rebela contra o pesquisador excessivamente racional?
Nunca me considerei, a bem da verdade, um pesquisador excessivamente racional. Tanto assim que os meus trabalhos “acadêmicos” foram, em grande parte, escritos na forma de ensaio, um tipo de texto a meio caminho entre o texto científico e o texto de criação literária, ou a ciência sem a prova explícita, como dizia Ortega y Gasset.
O senhor acredita que a poesia contemporânea brasileira se afastou de suas raízes populares? Há um espaço, hoje, para uma poesia que dialogue com tradição sem parecer anacrônica?
Toda grande poesia — pelo menos a que eu conheço — só é grande porque se vincula de algum modo à tradição. O maior poeta brasileiro vivo, a meu ver, é um carioca e sechama Alexei Bueno. A poesia de Alexei é profundamente ligada à tradição. A tradição verdadeira não significa cópia do passado, mas diálogo com os nossos mortos. Ora, as grandes questões humanas (Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?) já foram pensadas e repensadas ao longo da história da civilização. Seria muita ousadia sugerir respostas a essas questões sem um conhecimento mínimo do que os outros já disseram sobre elas. Até mesmo um poeta de reconhecida militância vanguardista, comoFerreira Gullar, reconhecia que a tradição é a matriz do novo, como eu disse há pouco. E quando me refiro à tradição, penso sempre na tradição popular e na tradição erudita. No caso do Brasil, ambas são importantes
Serviço
Do Outro Lado do Tempo
Carlos Newton Júnior
158 páginas
Editora Nova Fronteira
Lançamento
Nesta quinta, 18 de dezembro
Local: Furdurço Café e Cultura
Horário: das 18h às 21h
Endereço: Rua Gildo Neto, 92, Tamarineira, Recife