Uma das atrações da 15ª Bienal Internacional do Livro em Pernambuco, neste sábado, dia 4, é o lançamento de Antes que as palavras te esqueçam, primeiro romance do professor, poeta e escritor Leonardo Tonus. Com o selo da Cepe Editora, o livro aborda a crise migratória que hoje acirra disputas políticas e culturais em diversos países. O lançamento acontece a partir das 14h, no Espaço Diálogos. Na ocasião, o autor participará de um bate-papo com Diogo Guedes, que é o editor da Cepe Editora.
Construído em forma de cartas, o livro narra a procura de L., um brasileiro, pelo amigo Jamal, um refugiado afegão em Berlim e a quem as correspondências são endereçadas. De nenhuma delas o remetente recebeu respostas. Ao falar de sua busca, L. conversa consigo mesmo sobre a realidade dos imigrantes, com suas dificuldades de fala e solidões, e aborda temas historicamente sensíveis à Alemanha, como o nazismo e o comunismo.
O romance é organizado em 24 cartas, datadas com dias de setembro a dezembro. O ano das correspondências não é especificado, podendo ter sido em 2024, quando a Alemanha repatriou o primeiro grupo de afegãos após a retomada do poder no Afeganistão pelo Talibã. Na ficção, Jamal seria um dos repatriados.
Sua detenção é narrada num texto cortante. "Você estava sozinho, ouvindo música, quando eles chegaram. Tirou os fones de ouvido e permaneceu sereno. [...] sua calma era desconcertante", descreve. E detalha: "Mantinha uma expressão ausente, alheia à gravidade da situação. Seus olhos não mostravam surpresa nem raiva. Havia neles apenas um tipo de alívio silencioso, como quem carrega há tempos a certeza de que aquele momento chegaria."
Paulistano, Tonus mora há mais 30 anos em Paris, onde ensina Literatura Brasileira na Université Sorbonne Nouvelle. É um expatriado voluntário. "A inspiração para este romance nasceu do cruzamento entre as pesquisas que, há mais de vinte anos, desenvolvo sobre a representação dos processos migratórios na literatura e nas artes em geral, e do acaso dos encontros que a vida me ofereceu", explica. No entanto, segundo ele, o livro não se trata de uma narrativa que se possa classificar como biográfica ou autobiográfica ou autoficcional.
O autor assegura que buscou construir uma obra que se movesse deliberadamente nas fronteiras entre a realidade e a ficção. Isso porque tais fronteiras são lugar "onde a imaginação pode traduzir experiências coletivas e individuais de forma muito mais intensa do que o simples registro factual."
Para o editor da Cepe, Diogo Guedes, Antes que as palavras te esqueçam é uma obra indispensável para se compreender os dias atuais, de um mundo em conflitos barulhentos e silenciosos. "Em tempos de crise migratória e desumanização, a estreia de Leonardo Tonus no romance é uma narrativa ainda mais essencial e sensível", considera. Guedes afirma ainda que o livro reforça a condição talvez sempre estrangeira dos seres humanos, utilizando para isso uma prosa límpida e profunda.
Além da XV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, o romance terá um segundo lançamento no Recife. Acontecerá no dia 06 de outubro (segunda-feira), às 19h, dentro da programação da Conferência Viver e Escrever a Migrância (Vivre et écrire la migrance), na Aliança Francesa, localizada o bairro do Derby. Outros quatro lançamentos estão programados. Dois serão no Brasil: Rio de Janeiro, 28 de outubro, na Livraria da Travessa, na Barra da Tijuca, e São Paulo, no dia 29 de outubro, na Livraria da Travessa, em Pinheiros. O autor também lançará a obra em Paris, em novembro, e em Berlim, dezembro.
Ping pong
Entrevista
O que o levou a escrever um romance?
Tudo começou em 2022, no âmbito de uma residência artística promovida pela Embaixada de Portugal em Berlim. A proposta era simples e, ao mesmo tempo, desafiadora: escrever um texto em prosa tendo a cidade como pano de fundo. Regressar a Berlim significava também regressar a uma parte da minha própria história. Nos anos 1990, vivi na Alemanha, quando a queda do Muro ainda reverberava em cada esquina. Desde então, esta cidade — e este país — nunca deixaram de me fascinar. Com o tempo, aprenderam a carregar as suas cicatrizes à flor da pele, exibindo-as no cotidiano, transformando dor em presença. Como diz o narrador do meu romance: caminhar por Berlim é sempre tropeçar em cicatrizes. A cada passo, uma lembrança: a guerra e as suas vítimas; o Muro que, durante décadas, separou famílias e amigos; ou ainda, mais recentemente, o silêncio inquietante de tantos migrantes que aqui buscam refúgio. Por outro lado, para dar corpo ao projeto, decidi perder-me pelas ruas da cidade. Caminhei sem mapa, apenas com os olhos atentos. Entre cafés e pátios internos, observei os gestos mais simples dos seus habitantes. Pouco a pouco, deixei que as camadas de Berlim se revelassem até se inscreverem em meu próprio corpo. Assim nasceram as histórias que relato neste romance: algumas quase apagadas pela memória coletiva, outras, pulsando dolorosamente, escancaradas a quem as quiser ouvir.
Como se estrutura seu livro?
Meu livro compreende 24 cartas escritas a Jamal, num momento em que ele é repatriado da Alemanha, expulso da Alemanha para o Afeganistão, porque se encontrava em situação ilegal. Jamil é preso, o sentimento, de fato, é que os imigrantes jamais são aceitos, foram aceitos e serão aceitos. Infelizmente, eles têm se tornado cada vez mais o bode expiatório de todos os governos e o que observamos pela Europa, talvez até em breve no Brasil, infelizmente, é esse cerceamento, essa vontade, na verdade, de culpar o imigrante, esse estrangeiro, de todos os males do país.
E nós podemos nos perguntar de onde vem tanto ódio. De onde vem tanto ódio? Somente porque o outro é diferente. Hoje, o imigrante, se lembrarmos então um pouco dos discursos do atual presidente dos Estados Unidos, associado ao terrorismo.
Isso é trágico. Como você pode, na verdade, acolher esse outro? Como você pode querer que a descendência... A descendência desse sujeito imigrante se sinta fazendo parte de uma comunidade, de um patrimônio cultural histórico?
É muito triste, eu acho. E é claro, com a subida das extremas direitas pelo mundo, isso tem se acentuado e eu não vejo com bons olhos o que vai acontecer em breve.
Que autores contemporâneos considera essenciais para pensar a migração na literatura mundial e brasileira?
Eu gosto muito de um autor brasileiro, pouco lido, infelizmente, que se chama Samuel Rawet. Ele é um autor de origem judaica, cuja família chega ao Brasil nos anos 30, antes da ascensão do nazismo, originário da Polônia, e ele cresce no subúrbio do Rio de Janeiro.
Eu gosto desse autor porque ele foge um pouco dos parâmetros tradicionais de toda a literatura que fala, ou que falava, desses processos imigratórios.
O século XIX era muito marcado por uma visão nacionalista. Essa imagem do português que encontramos, por exemplo, no Portiço, que é um ser deteriorado socialmente. Do modernismo, há uma imagem um pouco laudatória, celebrativa, de um certo cosmopolitismo paulista.
Quando se fala de imigração, há também um ranço, eu diria, regionalista. Ao passo que em Rawet, o que nós encontramos? Ele se insere dentro da corrente existencialista, francês, e traz, pela primeira vez, para a literatura brasileira, em 1958, numa antologia intitulada Contos do Imigrante, ele traz a dor do processo imigratório.
E esse imigrante que ele traz não é somente o imigrante transatlântico, aquele que vem se enriquecer no Brasil. É também o refugiado de guerra, ou migrantes que vêm do Nordeste, ou do interior do país, trabalhar nas grandes cidades.
Nesse sentido, Samuel Rawet traz, pela primeira vez, para a literatura brasileira, a condição da migrância. A condição de estar constantemente em movimento, que caracteriza, finalmente, o ser humano.
Na literatura mundial, são inúmeros autores que trabalharam sobre essa questão, como também na literatura brasileira. Eu gosto muito da maneira como os migrantes do Canadá abordam essa questão.
Então, penso humildemente em um autor que de origem, se salvo engano, meu, iraquiana, que se chama Katan, e que fala justamente dessa dor, dessa fratura do sujeito confrontado ao processo imigratório.
O que em sua experiência pessoal o levou a se interessar por migração como tema de pesquisa e criação literária?
Na verdade, eu sempre digo que eu já nasci imigrante ou migrante, uma vez que eu venho de uma família de imigrantes italianos, que chegaram no Brasil em 1927, e por parte de mãe, imigrantes portugueses, meu avô materno era originário das ilhas de São Tomé e Príncipe, minha avó do norte de Portugal, e chegaram também no início do século.
Quem nasce de uma família de imigrantes, quer seja transatlânticos, ou a gente poderia até pensar nos migrantes, nos próprios migrantes brasileiros, penso aqui no caso dos nordestinos, em São Paulo ou na Amazônia, sabe muito bem o que é viver, eu diria, o trauma dos antepassados que deixaram suas terras como se eles quisessem, todos os dias, reviver, não somente através dessa saudade da terra longínqua, do espaço original perdido, mas também reviver o próprio trauma do processo de deslocamento territorial e
de expatriação. No meu caso, isso se manifestava nos almoços dominicais, em que meus avós contavam sempre a mesma história, da saída da Itália, da viagem em terceira classe. Num navio com mais de 1.700 pessoas, as dificuldades de inserção no território nacional e de como, na verdade, eles nunca mais puderam rever a sua família.
Tendo sido criado nesse ambiente, uma vez que eu me tornei professor, eu quis então me debruçar sobre essa questão, para entender, na verdade, como a produção artística brasileira, sobretudo, trata esse tema e se ela é capaz de dar conta dessa carga traumática que, muitas vezes, é perpassada de maneira transgeracional.
E disso também se desdobra a minha própria criação literária. Nas minhas três primeiras antologias, há questões vinculadas à temática dos processos migratórios, e mais especificamente, nesse meu primeiro romance, Antes que as Palavras se Esqueçam, que tem como pressuposto a questão do processo migratório.
E mais especificamente nesse meu primeiro romance, Antes que as Palavras se Esqueçam, que tem como pressuposto a questão do processo migratório. A história de um jovem afegão de 15 anos que sai do Afeganistão a pé e chega na Alemanha depois de caminhar mais de 4.500 km. A história de um jovem afegão de 15 anos que sai do Afeganistão a pé e chega na Alemanha depois de caminhar mais de 4.500 km.
Como foi o seu percurso do Brasil à França, e como ele influenciou em seu próprio percurso?
Eu diria que por um lado é o percurso do profissional, na medida em que no Brasil eu estudei música, composição e regência alemão e eu diria que esse é o meu primeiro contato com o universo musical.
Durante vários anos eu trabalhei como músico e regente coral, abriu as portas para o processo criativo na França e também para uma paixão que eu tenho para os estudos de literatura, estudos comparativos entre literatura e outras linguagens.
Mas eu diria mais do que o meu percurso pessoal, esse percurso do Brasil à França, esse meu próprio processo migratório, ele também influenciou o meu percurso acadêmico. Uma vez que eu saí do Brasil, em 1988, eu diria que eu sou um imigrante voluntário, eu saí desse país num momento gravíssimo de crise econômica, tentando buscar a vida aqui fora com apenas 21 anos.
Isso se deu em 1988, no momento em que não havia internet, no momento em que não havia celulares, quando então a única possibilidade de entrar em contato com os familiares voluntários, eram cartas que levavam mais de 15 dias até chegar no Brasil.
Essa minha primeira experiência foi também uma experiência traumática, uma experiência de muito silêncio, de não dominar a língua, não falar alguma palavra de francês quando eu cheguei aqui, de não conhecer ninguém. E eu me lembro que muitas vezes eu parava nas ruas para pedir informações para as pessoas, não que eu quisesse, não que eu não conhecesse o caminho, mas simplesmente para estar em relação com alguém, e para sair dessa solidão.
Eu acho que isso influenciou muito a minha escrita, a minha pesquisa sobre imigrantes, e a minha relação com o outro, a minha capacidade e a obrigatoriedade sempre de um respeito para o outro.
O senhor costuma falar em literatura de migração. Como definiria esse conceito?
Por que falar em literatura de imigração? Eu diria que até esse próprio conceito é errôneo. Talvez o conceito mais adequado seria literatura de imigrâncias ou sobre imigrâncias. Porque a noção de imigração ou migração é um conceito que vem da sociologia e que diz um fenômeno somente.
Enquanto a migrância, com essa terminação ânsia que lembra um conceito de Derrida, a différence, coloca em jogo, por um lado, uma dimensão poética, que aqui pode ser também trágica, mas poética, lírica e ficcional, do processo de deslocamento territorial.
E, por outro lado, traz nessa noção da diferença um grande questionamento do filósofo francês, que é a questão básica do encontro com o outro. Todo processo de deslocamento é um processo de encontro do eu com o outro. E, através desse encontro, um reconhecimento de quem eu sou.
Porque o outro, o migrante, ele assusta. Ou ele assusta, ou ele não assuscita o interesse e o mistério. E, a partir desse contato, é que eu posso também me interrogar quem eu sou no mundo.
O senhor já se sentiu um estrangeiro, ou ainda se sente morando no exterior?
Sim, já me senti estrangeiro e ainda me sinto estrangeiro morando no exterior. Obviamente, é uma situação muito mais fácil, muito mais prática para mim. Sou homem ocidental e branco. Se eu fosse um homem negro, se eu fosse um homem asiático, talvez eu sofresse um pouco mais de xenofobia no espaço ocidental.
Mas ainda sinto isso, apesar de meus 37 anos de vida e de experiência na França. Hoje eu sei falar como francês. Hoje eu sei me comunicar como um francês quase sem sotaque. Mas às vezes uma entonação escapa. E a acentuação de uma outra língua estrangeira que está por detrás dessa minha língua francesa que eu domino e utilizo todos os dias, faz com que o outro na minha frente fique espantado.
Talvez curioso para saber de onde eu venho. Ou por vezes, isso já aconteceu comigo, se sinta ofendido e ameaçado por esse estrangeiro que eu sou. E aqui, na verdade, cada vez mais... Nós temos observado isso aqui pela Europa, com o aumento dos governos de extrema direita.
Serviço - Bienal Internacional do Livro de Pernambuco
De 3 a 12 de outubro de 2025
No Pernambuco Centro de Convenções – Olinda
Ingressos antecipados em: https://zig.tickets/eventos/xv-bienal-internacional-do-livro-de-pernambuco-edicao-2025