A paraibana Marília Arnaud é uma escritora que tem como marca uma linguagem lírica e suave. Mas que ninguém se engane: seus livros não fazem concessões, nem aliviam as feridas que carregamos. Em suas narrativas, ela mergulha no que há de mais sombrio nas relações familiares, escava nossas dores, nos confronta com as perdas, a saudade, os fragmentos dos que já se foram e que podemos carregar dentro de nós apenas como lembrança, dia após dia.
No romance Esboço em Pedra e Sonho (Editora Faria e Silva), que será lançado nesta quarta-feira (19), às 19h, na Academia Pernambucana de Letras, no bairro das Graças, Marília estará esperando os leitores para conhecerem sua nova obra, que traz a história de Ramona de Maria, protagonista do livro.
Uma narrativa que leva a personagem principal a retornar à fictícia Nossa Senhora das Pedras, no interior nordestino, para enterrar a última parente. Nesse retorno, ela faz um mergulho em seu passado de solidão e abandono, de amizades rompidas, de traição, de saudades e culpas, mas também de proteção e amor.
Marília reconstrói a trajetória emocional da personagem, e questionada se a sua escrita intimista, marcada pelas sombras existentes nas relações familiares, se repetem no seu novo livro, afirma que sim. “As sombras da psique humana, os sentimentos feios como o ciúme e a inveja, os transtornos mentais, e, especialmente, os conflitos familiares são temas que se repetem em meus livros”, explica Marília, que completa: “Crescemos, envelhecemos, e os afetos e desafetos, os acolhimentos e abandonos, os carinhos e abusos, o que experimentamos na infância e na adolescência nos acompanha pela vida afora como uma tatuagem, uma segunda pele. Em Esboço em Pedra e Sonho, temos uma protagonista e narradora que se sente devedora em relação ao avô e à amiga Concita. Para Ramona de Maria, o passado não passou; embora tenha se tornado uma artista plástica renomada e vivido em mais de uma metrópole, ela continua lá, na provinciana Nossa Senhora das Pedras, o coração pejado de culpa, enredada nas mentiras e traições que resultaram na desgraça de seres amados”, explica Marília.
Cheia de segredos e reviravoltas, apesar de narrado em um tom quase poético, o romance mostra, principalmente, o amor de Ramona pelo avô paterno, Graciliano. O homem que a acolhe quando a garota perde a mãe, e que a trata com o carinho que ela jamais terá do pai, que havia rompido com a família e desconhecia a existência da filha.
Essa relação de avós-netos, aliás, aparece em todos os romances de Marília Arnaud. Em O Pássaro Secreto e Suíte de Silêncio também são avós que dão o apoio e chão para que os netos mantenham o equilíbrio. Em Esboço em Pedra e Sonho, assume esse papel um avô, no caso, um homem. Uma mudança do protagonismo do matriarcado para o de um patriarca amoroso, que Marília acredita ter sido uma homenagem inconsciente ao seu próprio avô.
“Talvez tenha, inconscientemente, um significado afetivo. Eu própria tive um avô protetor e amoroso ao extremo, e nós vivenciamos, até a sua morte, uma amizade profunda e respeitosa. Quando faleceu, minha avó encontrou, no cofre dele, como se fosse um tesouro, todas as minhas cartas dirigidas a ele, inclusive aquela que foi a minha primeira carta, escrita aos sete anos”, recorda Marília.
A história também é eficaz ao usar o tempo e espaço para pautar outras narrativas, no caso, a repressão da ditadura militar que permeia a história, contextualizada no final dos anos 1960, início dos 1970.
Nos intervalos entre as lembranças e dores vivenciadas por Ramona, ainda uma garota, há vestígios de que algo transcorre secretamente na cidade. Diálogos suspeitos do avô com seus amigos, flagrados pela menina; pessoas escondidas em locais distantes, na fazenda da família. Coisas que Ramona não compreende, mas que redundam na prisão do avô e de outros moradores de Nossa Senhora das Pedras. Mostrando que os militares tinham olhos e aliados em todas as partes.
“Acho que a democracia é uma construção; ela nunca está completamente consolidada, sobretudo em países que, como o nosso, estiveram tantos anos sob uma ditadura militar. Sim, acredito que “é preciso estar atento e forte”. E também é preciso falar sobre o que aconteceu, com todas as palavras, sem eufemismos”, afirma a autora.
Outra particularidade da obra de Marília Arnaud é o contexto artístico que ela sempre insere em seu trabalho. Em todos os seus livros, os personagens lidam com temas como pintura, literatura, música, artes que passam a ser referência para a visão que os protagonistas têm da vida. Ramona, no caso, é uma artista plástica bem-sucedida, que enxerga o mundo através de quadros, pintores, técnicas, como se a vida se formasse para ela através de imagens. O título do livro, Esboço em Pedra e Sonho, já é uma dica dessa vocação.
“No meu primeiro romance (Suíte de Silêncios), a protagonista é uma violinista, filha de um pianista e maestro. Assim, a música, especialmente a erudita, instrumental permeia todo o romance. A Suíte de Silêncios seria a perfeição, a composição inalcançável, a música de Deus. Em Liturgia do Fim, temos um protagonista escritor, e ali a literatura, os livros, a escrita são objeto de apreciação pelo narrador. Em O Pássaro Secreto, a dramaturgia é a arte da vez, e as grandes tragédias de Shakespeare, Otelo, Hamlet, Macbeth, Rei Lear, atravessam o romance na voz e percepção de Aglaia Negromonte. Quando percebi a existência desse diálogo entre a literatura e outras artes em meus romances, decidi, no desenrolar da escrita do Esboço em Pedra e Sonho, que a minha protagonista seria uma pintora, e eu estaria homenageando as Artes Plásticas”, finaliza a autora.
SERVIÇO
Esboço em Pedra e Sonho, de Marília Arnaud
Selo Faria e Silva da Editora Alta Books
224 Páginas
R$ 60 (pagamento em PIX)
Noite de autógrafos e lançamento na Academia Pernambucana de Letras
