Se o primeiro dia da Feira Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto) teve como foco o poeta Carlos Pena Filho, o segundo dia já começou com toda carga sobre a obra poética de Miró da Muribeca. No sábado, 15, pela manhã, o professor, escritor e pesquisador Wellington Melo, com a mediação de Mário Hélio Gomes, foi o primeiro palestrante do evento.
O tema, obviamente, foi o trabalho de escrita e pesquisa da biografia publicada recentemente sobre Miró: “Estou quase pronto”, que traz o selo da Cepe Editora.
Com o título “Miró, poética para além do corpo”, Wellington apresentou um pouco da vida de José Flávio Cordeiro da Silva, nome de batismo do poeta, buscando mostrar como construiu a biografia, além de enfatizar que o recifense era muito mais que um performer, era um autor que além das apresentações com o corpo, fazia uma poesia de qualidade, que se mantém atual e apreciada pelos leitores, mesmo três anos após a sua morte.
“Foram cinco anos, entre pesquisa e escrita. Parte desse período a gente estava, na verdade, fazendo parte de um grupo de apoio que ajudava Miró na luta contra o câncer, toda a dificuldade que ele teve entre 2020 e 2022. Ele nos deixou em 2022. A gente queria ter terminado o livro para publicar com ele em vida, esse era o plano, mas em determinado momento a gente sabia, a gente percebeu que não seria possível.”
O autor lembra que o projeto continuou depois do falecimento de Miró. Diante disso, combinou com a editora “que não haveria por que apressar tanto e fazer uma pesquisa mais profunda. O resultado foi isso que a gente teve aqui agora.”, contou

Wellington conviveu proximamente com o biografado nos seus dois últimos anos de vida. Por conta disso teve receio de se incluir como uma voz muito influenciada pelo contato intenso com o poeta. Mas decidiu colocar a sua própria voz no texto e a escrever uma biografia não convencional.
“Desenvolvi o texto como uma das viagens de ônibus que Miró realizava. Passando pelas amizades, os gostos pessoais, os percalços, as doenças e os segredos.”, explicou o autor.
O livro, assim como Miró que era um poeta flâneur, que usava o corpo para fazer sua arte, começa com ele internado, e vai alternando períodos da vida do artista, com sua fase final acompanhada, de perto, por Wellington.
Mas além de narrar a vida do artista, que nasceu na Encruzilhada, cresceu em Santo Amaro e Bomba do Hemetério, e só na década de 80 foi morar na Muribeca, o biógrafo também fez questão de desmistificar, afastar a imagem de que as poesias de Miró teriam valor apenas pelo uso de seu corpo.
O próprio título da palestra, segundo Wellington, foi uma provocação aos que pensam assim. “Quantos escritores, quantos poetas têm seus poemas na mente das pessoas de memória. Miró tem. Então, isso, para mim, é uma régua suficiente para dizer assim, ele é um grande poeta, porque as pessoas têm poemas dele de memória, e recitam, e continuam recitando.”
Wellington lembrou, inclusive, do trabalho realizado pelo pesquisador André Telles, que fez a dissertação sobre a corpoeticidade, termo que se tornou sinônimo de Miró (corpo, poesia e cidade). “Ele nunca afirmou isso (que o valor de Miró vinha das suas performances). Ele falava da relação que existia entre a poesia e o corpo de Miró, mas não que a poesia não se sustentava sem o corpo. E hoje, três anos depois de Miró não estar mais em corpo entre nós, a poesia dele ainda continua viva. Isso é a prova de que a poesia dele é forte e tem valor.”
O autor recordou, ainda, da grande presença de espírito e da facilidade com que Miró circulava em todos os ambientes, inclusive em bairros de elite, como Higienópolis, em São Paulo, e Aldeota, em Fortaleza, onde morou durante alguns períodos da sua vida. “Ele corria risco, por ser preto, pobre. A nata paulistana olhava seu corpo com algum estranhamento.”
“Esse passeio pelo ônibus de Miró é um passeio pelas várias estações que ele percorreu. Ele nunca se limitou às caixinhas onde tentaram colocá-lo, ou onde queriam que ele estivesse.” , explica o autor.
Apesar disso, destacou Wellington, o corpo flâneur preto de Miró sofreu muitas vezes. Quando ainda era jovem, ao passar pelo bairro de São José com um amigo, rindo e conversando, foi parado por dois policiais que lhe perguntaram porque estava rindo. Apanhou muito nessa ocasião, sem qualquer motivo. “Foi um episódio que marcou sua vida, lhe deu uma revolta e a consciência de que estava sempre em risco. Mas ele mesmo afirmava: “O risco que eu corro é de não correr risco”.
Na biografia, Wellington resgata os amores do poeta,as suas andanças pelo Recife, Fortaleza, Petrolina, Rio, São Paulo, entre outras cidades nas quais morou; a sua tentativa de encontrar o filho, a luta na justiça para recuperar a indenização do imóvel da Muribeca, que foi interditado por danos estruturais e principalmente a relação com a mãe, dona Joaquina, que era muito próxima, íntima, carinhosa.
Os que forem a Fliporto poderão adquirir um exemplar da biografia na livraria do evento. Vai valer a pena pegar uma carona e flanar pelas histórias do poeta nas páginas registradas por Wellington.
Serviço
Fliporto 2025 – 20 anos
13 a 16 de novembro de 2025
Parque Dona Lindu – Boa Viagem, Recife (PE)
Teatro Luiz Mendonça – Mesas e espetáculos literários (entrada gratuita; espetáculos artísticos pagos).
Espaço Janete Costa – Fliporto Arte (evento pago).
Evento Carbon Free
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