Carlos Pena Filho: um recifense com raízes lusitanas e ibéricas

Pesquisador, jornalista e escritor, Mário Hélio Gomes mostrou, na sexta, em palestra na Fliporto, que o poeta pernambucano tinha forte afinidade com o além-mar

Marcelo Abreu e Mário Hélio Gomes abriram o ciclo de palestras da Fliporto, com um interessante debate sobre a influência ibérica e portuguesa em Carlos Pena Filho
Marcelo Abreu e Mário Hélio Gomes abriram o ciclo de palestras da Fliporto, com um interessante debate sobre a influência ibérica e portuguesa em Carlos Pena Filho

O primeiro dia da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), nesta sexta-feira, 14, foi uma celebração à língua portuguesa e aos laços entre Portugal, Península Ibérica e Brasil, nesse caso, por meio de nossos escritores. 

Para exemplificar essa afinidade e parentesco, a primeira palestra do evento teve como tema as  “Raízes Ibéricas e Lusitanas em Carlos Pena Filho”, conduzida pelo jornalista, escritor e pesquisador Mário Hélio Gomes, com a mediação do também jornalista  Marcelo Abreu. 

Especialista em Carlos Pena Filho e na sua escrita, Mário Hélio mostrou algumas influência das raízes lusitanas e ibéricas no poeta recifense, como sua opção por uma literatura mais formal do que os colegas modernistas da época, e por uma temática que muito se assemelha a de alguns escritores portugueses. 

“No plano da língua e da linguagem, Carlos Pena Filho, por seu formalismo organizado, correto, claro e limpo, tem mais a ver com a poesia portuguesa e espanhola modernas que com o primeiro modernismo brasileiro. Suas afinidades eletivas estão com a sua própria geração literária, a de 45 – era nove anos mais moço que João Cabral de Melo Neto.”, explica o escritor. 

Origens

Um dos motivos para a afinidade e identidade do recifense com o além mar, está nas suas origens. “Carlos Pena Filho é um poeta brasileiro, filho de pai português. O  poeta viveu uma longa temporada em Portugal, nos primeiros anos de sua vida (entre os 8 e os 12 anos). A memória desse contato real com o lugar dos seus ancestrais reflete-se num dos seus sonetos mais relevantes (e resgatados por Mário Hélio durante suas pesquisas sobre o poeta):

Vou me banhar antes que chegue a aurora

na ribeira mais pura e cristalina.

Vou procurar a estrela matutina,

vou calçar as sandálias, vou-me embora.

Vou partir para a vila sem demora

ao meu Natal de neve e chuva fina.

Vou recriar meus olhos na campina

e no monte nevado como outrora.

Meu avô já me espera na soleira

da antiga porta para me mostrar

o presépio que armou junto à lareira.

Natal de antigamente que se esconde

nos sapatos da infância, em meu olhar,

em meu avô e em ti, Vila do Conde.”

“Temos aí - continua Mário Hélio - uma infância sintetizada num lugar – Vila do Conde –, num

tempo marcado pela familiaridade e intimidade. Expressões como “sapatos da infância” e “meu avô” põem em relevo a atmosfera familiar e íntima.

Mas o mais importante aí para o vínculo profundo é quando diz “meu olhar”.

Para ressaltar ainda mais essa afinidade, Mário Hélio demonstrou o uso da sátira por Carlos Pena Filho, um costume muito comum em poemas como os de Bocage e Gregório de Matos, comumente visto entre os ibéricos. 

“Quem lê o “Guia prático da cidade do Recife”, de Carlos Pena Filho, ou até conhece suas crônicas e alguns dos seus versos apócrifos e burlescos, não deixará de pensar em satíricos como Bocage e, sobretudo, Gregório de Mattos. Leiamos estes versos:

“Recife, cruel cidade,

águia sangrenta, leão.

Ingrata para os da terra,

boa para os que não são.

Amiga dos que a maltratam,

inimiga dos que não.”

E leiamos estes outros:

Senhora Dona Bahia,

Nobre e opulenta cidade,

Madrasta dos naturais

E dos estrangeiros madre.

Dizei-me por vida vossa

Em que fundais o ditame

De exaltar os que aqui vêm,

E abater os que aqui nascem.”

“Os primeiros são de Carlos Pena Filho, os segundos são de Gregório de Matos. Ambos compartilham algo muito frequente na poesia ibérica e lusitana: o espírito crítico, que, quando exacerbado, se traduz em sátira.”, ressaltou Mário Hélio.

No plano do conteúdo, o palestrante também lembrou que  em Carlos Pena Filho verifica-se uma recorrência   rigorosamente próxima da poesia ibérica e lusitana. “Canta ele também a nostalgia, a ausência, a paisagem, as coisas naturais, com destaque para o mar, a costa, o campo, e certos aspectos da transcendência, que incluem a passagem do tempo e a condição humana.”

Mário Hélio recordou, ainda, que sendo Carlos Pena Filho um poeta ao mesmo tempo atávico e telúrico, “abrange a terra, suas raízes e identidade, a consciência da língua como pátria, há uma presença do humor - no sentido plural da palavra -, da vida cotidiana, das festas, das tradições, as inquietações do destino, as profundezas do inconsciente e do sonho e não está alheio a algum visionarismo, que abrange a própria morte, daí textos.”

O jornalista e escritor também lamentou o total desconhecimento do recifense pelos portugueses. Algo que Mário, ao lado do curador da Fliporto, o escritor e advogado Antônio Campos, está tentando contornar. Recentemente, ele foi responsável pela edição do “Livro Geral” de Carlos Pena Filho para o mercado português. A publicação chegou a ser  lançada há poucos meses em Portugal. O livro traz um depoimento da viúva de Carlos, Tânia Carneira Leão, uma análise profunda da obra do recifense realizada por Mário Hélio, além de textos assinados por Manuel Bandeira e Jorge Amado, que dão a dimensão e o impacto que sua morte, em 1960, provocou no mundo literário.

O livro está disponível para os que forem à Fliporto. Uma forma dos brasileiros, que também desconhecem a grandeza de Carlos Pena Filho, tenham acesso a obra magistral do recifense.

Serviço

Fliporto 2025 – 20 anos
13 a 16 de novembro de 2025
Parque Dona Lindu – Boa Viagem, Recife (PE)
Teatro Luiz Mendonça – Mesas e espetáculos literários (entrada gratuita; espetáculos artísticos pagos).
Espaço Janete Costa – Fliporto Arte (evento pago).
Evento Carbon Free

Baixe a edição especial da Revista Pernambuco sobre a Fliporto clicando aqui.