José Cláudio: entre as telas e as laudas escrituradas

Ao longo de sua trajetória, o pintor dedicou-se também à literatura, em especial à crônica e aos diários de viagem, deixando nove livros publicados

Desenhos de José Cláudio

Melhor cronista visual da luz pernambucana – como se referia Francisco Brennand (1927-2019) ao amigo de vida e profissão – , José Cláudio (1932-2023) foi também cronista da própria trajetória. A narrativa simples e honesta não permitia censura à palavra regurgitada, que não poupava a si nem a ninguém de suas verdades cruas e muitas vezes sensivelmente poéticas. Escreveu com a sinceridade de quem não fazia a menor questão de agradar, sem nenhum pudor para tratar sobre qualquer assunto. Munido de referências literárias dignas das mentes mais eruditas, nunca largou o vício pela espontaneidade típica de um homem popular. Carregava um repertório composto não apenas de hits de si mesmo, mas também dos territórios geográficos, sociais e culturais que ocupou ao longo da vida, e que o influenciaram profundamente.

Os escritos de José Cláudio resultaram em produção literária até bastante prolífica para alguém mais conhecido pelas telas do que pelas laudas escrituradas – são nove livros publicados, entre os quais diários de viagens e crônicas cotidianas e autobiográficas que fazem dele um pintor/escritor. Sem falar da produção crítica sobre artes plásticas e das narrativas eróticas (escreveu para a extinta revista masculina Eros, nos anos 1980) que complementam a produção literária claudiana. A maior parte dos títulos foi publicada pelo próprio autor/pintor e segue esgotada, apenas disponível em sebos online por minúsculas fortunas. Três deles foram compilados em volume único pela Cepe Editora: Memória do Ateliê Coletivo Artistas de Pernambuco Tratos da Arte de Pernambuco (2012), que segue à venda nas livrarias da editora pública pernambucana. José Cláudio também publicou Ipojuca de Santo Cristo (1965); 100 Telas, 60 Dias e Um Diário de Viagem: Amazonas, 1975 (2009); Viagem de um jovem pintor à Bahia (1965); Bem Dentro 3º livro de viagem (1968); Meu pai não viu minha glória (1995) e Os Dias de Uidá, (1995) e posteriormente em facsimile (2008).

“Uma das coisas que eu mais admirava em José Cláudio era a naturalidade na maneira de escrever, sem nenhuma literatice e até uma leveza poética”, pontua o jornalista, escritor e amigo José Mário Rodrigues, que assinou a orelha do livro Os Dias de Uidá, um diário sobre a viagem àquela cidade da República de Benim, na África, para onde foi a convite do governo local para pintar um painel. A narrativa de viagem merece destaque também por revelar semelhanças entre aspectos culturais daqui e de lá. “No livro de 100 páginas, José Cláudio confirma-se como um ótimo observador de detalhes. Com uma linguagem simples e acessível, Os Dias de Uidá é formado por cartas escritas aos familiares, no gênero diário livre, informal e riquíssimo, bastante espontâneo. Acompanhados por rabiscos que servem como ilustrações, os textos são cheios de sugestões visuais que transmitem bem o olhar de um verdadeiro pintor sobre aquelas paisagens físicas e históricas”, escreve o jornalista, escritor e curador Júlio Cavani, no perfil biográfico José Cláudio: Aventuras à mão livre (Cepe Editora, 2020).

Outro diário da bibliografia claudiana a merecer leitura dedicada é 100 Telas, 60 Dias e Um Diário de Viagem: Amazonas, 1975 (2009). A obra foi publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, com coordenação editorial de Cecília Scharlach. A bordo do barco Garbe, José Cláudio passou dois meses percorrendo os rios Amazonas e Madeira, entre Manaus e Porto Velho, em uma expedição científica a convite do famoso zoólogo e compositor Paulo Vanzolini (1924-2013), autor de clássicos da MPB como Ronda e Volta por cima. Entre as décadas de 1960 e 1980, Paulo costumava levar um artista a cada expedição que fazia pela Amazônia, com o intuito de registrar, refletir e conscientizar sobre transformações na região. “Parece estar havendo ou ter havido guerrilha e os delegados não acreditam em ‘expedição científica’. Assim que o barco encostou, apresentou-se o delegado, alvo, todo de branco, paletó e gravata, um resto de cabelo loiro liso, e prendeu o barco. De nada adiantou a carta do presidente Geisel apresentada por Vanzolini, autorizando a expedição. É um soldado de polícia, de Patos de Espinhara, Paraíba, com 21 filhos. Seu Felizardo, esse é o nome dele. Desde que chegamos, todo dia às sete da manhã entra no barco e senta-se numa cadeira diante do meu cavalete, atento a cada traço que eu dou. Isso o dia todo. Vai almoçar e volta, permanecendo até a lavagem dos pincéis. Já é íntimo. Sotaque nordestino, me chamou de conterrâneo. Contou que tinha sido cangaceiro. Vanzolini perguntou: ‘É verdade o que dizem por aí que o senhor todo ano mata um?’ Ele disse compungido: ‘Infelizmente nunca pude me livrar desse vício’”, escreveu José Cláudio, diante de uma região de floresta àquele tempo ainda pouco explorada.

A pintora e gravadora austro-brasileira Maria Tomaselli Cirne Lima, residente em Porto Alegre, defende que texto e pintura eram duas partes inseparáveis da produção claudiana, onde a pintura exibia o lado visceral e a escrita conferia o aspecto intelectual e poético de alguém que mergulhava no mundo ao redor, escrevendo, pintando e, o mais importante, vivendo. “Conforme foi escrevendo, foi desenhando e vice-versa. Carregar essas duas facetas é algo raro”, conta aquela que conheceu a cultura pernambucana e olindense pelas mãos de José Cláudio. “Ele foi muito generoso e me abriu os olhos para o que se passava em Olinda, sem grandes elucubrações, apenas atento aos detalhes que revelavam a poesia das coisas.” Certa vez, o amigo a desafiou a fazer litogravuras para que ele escrevesse os textos, em linotipia, uma técnica quase medieval através da qual José Cláudio exibia seu gosto pela parte física da letra. “A gente tinha essa cumplicidade de escrever, desenhar e comentar. Fizemos uma competição para ver quem seria mais erótico, o desenho ou o texto. Prefiro dizer que ele ganhou”, recorda Maria. Nos álbuns de litogravuras de Tomaselli, Quatro Cantos (1984) e Veredas (1983), José Cláudio registrou suas impressões sobre a pintora austríaca: “Diz Maria que na terra dela – Innsbruck, na Áustria – a mãe se vira pro menino impossível e diz, para não dizer que é o diabo, que ele é uma Gestalt. (...) Maria, solta na buraqueira, tanto de Olinda quanto da litografia. Ela agora não se satisfaz mais em ver Olinda por fora – o que não exclui a dose de subjetivismo nas suas contemplações das ruas, da noite, do carnaval (...). Há em todo o álbum cenas de sexo mas que a autora explica que não é explícito, ‘porque não está enfiado dentro (...) Assim Olinda pegou mais uma vez Maria Tomaselli, como já tinha pegado desde 1979, moça gaúcha de Innsbruck, ou ela pegou Olinda. Se amam”.

Um certo prazer em chocar o leitor, com repugnantes detalhes escatológicos estão evidentes em trechos do livro Viagem de um jovem pintor à Bahia, de 1965. “O primeiro quadro que tive ideia de pintar na Bahia não foi de baianas nem de candomblé, nem saveiro nem feira, nem capoeira nem igrejas e mar: foi precisamente da latrina dos operários da construção onde trabalhávamos.” Em seguida, descreve o fétido local: “Ao me aproximar, já sentia uma fedentina insuportável (...). Abri a porta e por pouco não caí dentro de uma piscina cheia de excrementos (…). (...) ondulava mesmo em pequenas ondinhas buliçosas, tal a quantidade de vermes acumulados e desenvolvidos ali, qualquer coisa amedrontadora”. Em crônica de 1995, as fezes voltam a ser o assunto: “A bosta caiu , ou a ‘massa fedentinosa’ (...), os ladrões comeram tudo dizendo: ‘ô comida boa!’ Aí os ladrões disseram: ‘Estou morrendo de sede, ah se caísse água para a gente beber!’ A mulher ouviu, lá de cima, e perguntou ao marido: ‘ô marido, eu mijo?’ O marido respondeu: ‘Sei lá, mulher! Se quiser mija que a vontade é tua, o mijo é teu, mas depois não bota a culpa em mim.’ Ela disse: ‘Vou mijar’. E mijou”.

Volume onde mais se escancara a faceta erótica da caneta claudiana, Bem Dentro se passa em viagem a Salvador. Vejamos: “Vi com gosto o carro fazer a volta em Itapoã e escorrer ao longo das praias, entre o lombo tingido azul do mar rouco batendo com a juba, e os coqueiros se penteando com as suas marrafas, dando voltas no corpo enquanto o carro passava. Dava vontade de dizer aos outros passageiros que eu era da Bahia e conhecia tudo”, diz trecho do livro, que também nos dá generosas amostras da verve libidinosa do autor: “Levei ela para a casinha o Buraco Doce, beijei gulosamente aquelas bochechas de pele salmon esticada, deitei ela na cama: coxas famosas, peitos caprinos com uma barra preta que enfiei logo na boca enquanto enfiava a rola na buceta gorda de tons azulados de metal”.

“Quer saber quem é Zé Cláudio, leia o livro Meu pai não viu minha glória. Este livro reúne artigos muito diversos que contam a história verdadeira de vida do meu pai: irreverentes, engraçados e também cortantes”, resume o filho do artista, o também pintor Mané Tatu, testemunha da dedicação do pai ao ofício literário. “Meu pai era um grande leitor. Lia de tudo. Nunca foi um cara de internet nem de televisão, então lia diariamente.” A leitura começava quando findava a pintura, ao mesmo tempo em que o sol se punha. “Em várias etapas de nossa vida aqui nessa casa (Mané recebeu a reportagem na casa que foi de seu pai) havia uma cadeira de palha com uma montanha de livros. Então ninguém sentava. Toda noite ele lia três capítulos de seis livros”, detalha Mané. Para ele, as personalidades de artista e escritor ocupavam o mesmo corpo. “Era uma relação direta, franca e estruturada. Não enxergava uma sem a outra.”

Na crônica que deu nome ao livro, José Cláudio escreve sobre o desejo de que o pai, Seu Amaro, presenciasse o êxito na lida como pintor, apesar de o próprio muitas vezes não acreditar em si mesmo. “Meu pai não viu meu bom êxito, nessa vida que encetei ainda bem jovem e a todos parecia um suicídio. Quem sabe o era; talvez tenha querido suicidar-me quando deixei de estudar, depois de ter levado pau no primeiro ano de Direito (...). Um compadre de meu pai disse a ele: ‘Zezé (era meu apelido em Ipojuca) foi que nem garapa de mel. Apurou, apurou, sumiu.”

A seleção dos títulos para os momentos de leitura ficava a cargo do gosto, o pessoal e o de amigos próximos, que indicavam leituras sobre as quais imaginavam que o pintor/leitor gostaria de se debruçar. “Ele gostava muito de romance, crônicas objetivas e ficção científica”, detalha Mané, citando José Almino, Isaac Asimov, considerado um dos mestres do gênero, e Hermilo Borba Filho. “Ele era um leitor eclético de títulos mas se focava também em vida e obra de grandes artistas, grandes pensadores e autores brasileiros, na grande maioria”, atesta Mané, apontando para o espaço da casa destinado à biblioteca do pai.

Pensadores de alta patente como Santo Agostinho e Aristóteles ocupavam a cabeceira do retratista, como rememora o amigo e cronista Joca Souza Leão. Para ele, José Cláudio foi também grande narrador de histórias orais, que falava e lia da mesma forma que comia, devagar. “Ele era guloso, mas comia como um ruminante e contava histórias da mesma forma, devagar, com riqueza de detalhes. E se comovia verdadeiramente com o que contava. A ponto de lhe escorrerem lágrimas”, recorda Joca, para quem a estética literária do mestre estava mais para um José Saramago, desprovida de pontuações fisicamente aparentes. Sendo a simplicidade o último grau de sofisticação, segundo Leonardo Da Vinci, a escrita claudiana estaria, portanto, nesse patamar, sem adornos adjetivais, ao estilo Graciliano Ramos, como compara o amigo cronista. “Quando ele resolvia dar uma opinião, só o fazia se houvesse estudado e compreendido o assunto profundamente.”

Através da crônica, José Cláudio exibiu a todos suas idiossincrasias do Narciso às avessas que foi e que registrou em livros. Em uma delas, batizada de Minha biografia (1988), José Cláudio faz uma de suas costumeiras autocríticas um tanto depreciativas e fanfarrônicas: “Começaria, na capa, com um quadro de minha autoria, pintado em 1982, cujo título eu ia botar Mentecapto, achei pretensioso – embora, mestiço, pedantismo me caia como uma luva –, botei Bestalhão vendo televisão. Gil Vicente achou arretado (...)”.

Na apresentação para a primeira edição do livro Artistas de Pernambuco, José Cláudio começa com uma expressão já contraditória para ser dita por quem foi escolhido para a tarefa de apresentar: “Não sei – e é sintomático comece eu com essa palavra a introdução a um texto de onde o leitor com justa razão quererá extrair algum conhecimento (não engano ninguém: faço parte do que Gilberto Freyre chama de “improvisação de competências”) – qual o tipo de prefácio adequado à magra e prematura colheita que se quer aqui impingir. Um mínimo de honestidade me obriga a reconhecer não ter chegado, apesar do esforço, a nenhuma resposta relevante ou talvez – essa é a minha esperança – desentranhe-as o leitor…”

A ex-galerista, marchand e amiga de cinco décadas Lúcia da Fonte lembra que José Cláudio contou que uma obra literária o fez abandonar o curso de Direito após um ano para se dedicar às artes. “Foi quando ele leu o livro Um gosto e seis vinténs (1919), do francês William Somerset Maugham (1874 - 1965)”, recorda. Na obra, um corretor de imóveis larga um casamento de 17 anos para se jogar na paixão pela pintura. Na vida real, José Cláudio só saiu do lado de sua amada, a bibliotecária Leonice Ferreira da Silva, Léo, quando esta faleceu, em julho do ano passado. Sobre a perda, o amigo disse a Lúcia: “Léo se foi e me levou com ela”. A última crônica do pintor/escritor foi dedicada à esposa e publicada na edição de janeiro desta revista Pernambuco. Excepcionalmente, a coluna não ganhou ilustração de José Cláudio,como de costume, mas um retrato de Leonice.

Apesar de não conhecer a fundo os livros de José Cláudio, a amiga Lúcia leu alguns e costumava com ele trocar figurinhas literárias. Foi na galeria de Lúcia, a extinta Artespaço, em Boa Viagem, que ocorreu o evento de lançamento de Meu pai não viu minha glória. “Foi um sucesso. São crônicas muito bem escritas e simples. Tão simples quanto pão com queijo. Algo muito cotidiano mas dito de maneira muito poética.”

De 1988 a 2023, ininterruptamente, José Cláudio ocupou as páginas impressas e digitais das revistas Continente e Pernambuco com suas crônicas demasiadamente sinceras para o senso comum, que prega uma certa contenção de veracidade para uma harmoniosa convivência social. A estreia se deu graças ao jornalista e empresário André Rosemberg, que editou o então Suplemento Cultural (atual Pernambuco), em 1988, e convidou o retratista para assinar a contracapa da publicação da Cepe. Ele conta como chegou ao pintor/escritor. Em busca de um texto diferente para ocupar a última página da revista, André se lembrou das colaborações de José Cláudio para o extinto jornal O Rei da Notícia, que circulou no Recife de 1983 a 1987, sob comando do chargista Clériston de Andrade.

Mais tarde, convidado a escrever o prefácio do livro Meu pai não viu minha glória…, André, então recém-formado, não se achou capaz de cumprir a tarefa solicitada e,na época, se encontrava em viagem ao exterior. José Cláudio não se fez de rogado e logo apontou solução irrecusável: uma carta de André para o artista revelando como se deu início a colaboração do pintor/escritor: “Ao assumir a editoria geral do Suplemento Cultural, ainda um estudante entusiasmado pelo jornalismo, me perguntei como poderia melhorar o jornal. Uma das providências, concluí, seria melhorar a qualidade do texto (…) Mas não foi tão simples assim: na conversa telefônica, você pediu o número do meu telefone, que discou alguns minutos depois para ter certeza de que não estava sendo vítima de algum trote, acredito eu”, escreveu André.

O jornalista/empresário conta ainda que o artista não somente escrevia a coluna, mas também diagramava – como o fez em passagem por jornais locais e pelo Estado de S.Paulo, quando residiu em solo sudestino – e ilustrava a página, com desenhos feitos em papel A4, dados de presente ao jornalista, que os guarda até hoje. “A qualidade do texto garantiu a continuidade da página, apesar das mudanças de governo. Ele sabia escrever muito bem. Se tivesse se dedicado somente à escrita, seria tão bem-sucedido quanto como artista. Sempre foi muito erudito, sofisticado e direto”, escreveu, orgulhoso, André, que se tornou amigo de José Cláudio.

“José Cláudio escrevia maravilhosamente bem. Era um escritor que não tinha medo de escrever longas sentenças. Não se rendia à simplificação de raciocínio dos dias de hoje”, derrete-se o jornalista e escritor Evaldo Costa, que foi diretor-presidente da Cepe (1997-1998), e assinou a orelha do livro Meu pai não viu minha glória. “Esse livro é uma obra prima de literatura confessional”, resume. No texto da orelha, tece outros comentários elogiosos ao pintor/cronista, chamando suas traçadas linhas de “prosa diferenciada”, “crônica despretensiosa” e “minuciosa poesia”. “Ler cada texto é como bisbilhotar, por cima do ombro do autor, a paciente criação de um mundo”, escreveu Costa, referindo-se ao pintor como “eruditíssimo”, porém com “declarada aversão a tudo o que é intelectual (empolado, forçado, chato)”.

Nos últimos 15 anos, a curadora Clarissa Diniz esteve muito próxima ao pintor e, entre diversas parcerias, assinou projeto curatorial da última exposição de José Cláudio em vida, Primeiro a fome, depois a lua, ano passado, na Galeria Marco Zero, em Boa Viagem, em 2022, quando da celebração de seus 90 anos. Ela externava ao pintor a vontade de organizar sua obra literária, jornalística e crítica. “É uma produção vastíssima, de décadas, que também acompanha toda a obra visual dele.” Mas Clarissa esbarrava na humildade do ipojucano. “José Cláudio dizia: ah, será?! Ele tinha um jeito muito singular de expressar sua humildade duvidando da relevância de qualquer ato público do seu trabalho, o que era muito curioso.”

Tivesse a linha do tempo percorrido apenas a terra natal ipojucana, José Cláudio não teria desenvolvido atividade literária lá muito substanciosa. Quando habitou aquelas paragens da Zona da Mata pernambucana nunca foi muito de folhear brochuras. Começou a ter acesso aos livros apenas quando se tornou aluno interno do Colégio Marista, no Recife, aos 11 anos de idade. “A passagem pelo Marista foi fundamental para despertar o interesse pela literatura. Na biblioteca do colégio, ele descobriu grandes romances infantojuvenis de aventura. Robinson Crusoé, de Daniel Defoe; As Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain; Old Surehand, de Karl May”, escreve Júlio Cavani. Nas redações escolares, já exibia um quinhão do talento literário que a vivência e a maturidade deixariam mais latente. Cavani diz que os padres-professores chegaram até a desconfiar daquele texto já tão rico e bem-redigido.

Daí em diante, nunca mais abandonou a leitura nem, mais tarde, a escrita. “José Cláudio preservou o hábito de ler e de sempre procurar boas referências. Essa busca o levou a frequentar, naquela idade, clubes de leitura que existiam no Recife, onde os participantes trocavam livros e ouviam coletivamente trechos de obras lidos em voz alta. Um deles era a Academia dos 15 Iguais que funcionava na sede da Uespe (União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco), na Avenida Manoel Borba. Outro era o Grêmio Literário Joaquim Nabuco, cujas reuniões aconteciam na Rua da Glória, na casa da família de Leonice Ferreira da Silva (Léo). Foi lá que ele a conheceu, ainda sem desconfiar que aquela moça seria uma futura esposa”, escreve Cavani.

Carol Botelho é repórter das revistas Continente e Pernambuco