Quando Paula Fox publicou Pobre George, em 1967, fazia dois anos que os Estados Unidos tinham mandado tropas para a Guerra do Vietnã, de onde saíram derrotados em 1973, com a perda de 50 mil soldados, o que é insignificante se comparamos com os seis milhões de vietnamitas e cambojanos mortos. A “Síndrome do Vietnã” refletiu-se na cultura, na política externa, nas pessoas comuns. Em 1967, o movimento de oposição à guerra dividia a sociedade estadunidense. Ainda faltavam seis anos para a retirada vergonhosa das tropas, mas o vírus da “Síndrome” escapara da incubadora e contaminava escritores, cineastas, compositores, cantores, gente predisposta a sentir os efeitos das grandes crises.
Os Estados Unidos que Paula Fox retrata em Pobre George se insere nesse período de transformação. O país já não possui a “juventude flamejante” nem o glamour da literatura de F. Scott Fitzgerald, na década de 1920. O personagem George Mecklin é um professor de inglês, casado há alguns anos com Emma. Eles se mudaram para uma minúscula e desconfortável casa de campo, nos arredores de Nova York. Emma tem um emprego modesto e sempre viveu em cidades. Os dois sofrem de uma infelicidade crônica no casamento sem sexo e sem filhos. Vez por outra uma nesga de luz incide sobre George e ele sente um impulso de mudar, de ser feliz, de viver diferente. Mas são ataques passageiros em meio ao desânimo.
Os vizinhos de George e Emma são casais patológicos, mesmo os que aparentam normalidade, como Minnie e Charlie Devlin, que tem bom faro para cultura e felicidade. Charlie é um típico americano paranoico, dos que falam: Nunca deixe a porta aberta. Nunca! Eu mantenho uma espingarda sempre ao alcance da mão. Limpo-a toda semana. Os Palladino são outros desgraçados: Marta vive embriagada, a casa no mais absoluto desmazelo, as duas filhas pequenas nuas e abandonadas; Joe, o marido, um ator fracassado e um conquistador barato. Lila, a irmã de George, é depressiva, não se ajusta aos empregos e se envolve com Joe Palladino. Bem Twerchy fala igual a uma locomotiva descarrilhada e oprime a esposa Maralin.
Surge Ernest nas vidas de George e Emma. George o encontra num dos quartos da casa, quando retorna do trabalho. O garoto aparenta 18 ou 19 anos, usa um chapéu e afirma que não pratica roubos, apenas gosta de bisbilhotar os interiores das casas alheias. Após o terror inicial, George investiga a vida de Ernest, descobre que ele abandonou a escola, e se propõe a ajudá-lo. O leitor fantasia motivos para a atração de George por Ernest.
No romance, ninguém se interessa sinceramente pelo outro, os vínculos entre as pessoas são frágeis, não se sabe de que modo as relações se sustentam. Ernest passa a visitar a casa e recebe aulas de George. Emma não suporta o rapaz, sente medo dele. Um leve transtorno se opera na vida de George, desde a chegada de Ernest. Nada que sugira sentimentos elevados, um novo sentido para a existência do professor. Demora-se a compreender quem é Ernest, até que o próprio George confessa que na verdade ele tentara abraçá-lo apenas para manter as mãos do rapaz longe de seu pescoço e que não havia sentido coisa alguma por ele, a não ser medo.
Mas até que apareçam essas verdades, ocorre um assassinato por espancamento, um vizinho atira no outro e revela-se a fragilidade de um país que se imaginou perfeito. Quando os astros da música pop cantavam que o sonho acabou, Paula Fox prenunciava uma nova literatura. No rastro dela, um novo cinema. Em Pobre George também chovem rãs como no filme Magnólia e soam os mesmos estampidos de Beleza americana.