sem movimento algum
a menina
abriu os olhos.”
É quase de estranhar que um escritor italiano contemporâneo se valha dos recursos da narrativa oral, sobretudo as repetições, para construir sua novela. As três primeiras viagens ao Japão são narradas da mesma maneira, tanto no percurso de ida como no de volta. Hervé Joncour, que tinha a incontestável tranquilidade dos homens que se sentem no lugar apropriado, aceitou-as porque talvez sofresse de um gosto pelo desconhecido, como se fosse possível reunir numa só pessoa o sedentário e o viajante da classificação dos narradores de Walter Benjamin.
Na quarta viagem, o Japão de aparência serena se transformou com a guerra e as pessoas sofrem. Já não escutamos a voz solene e repetitiva de um velho contador de histórias. Agora, é o escritor Alessandro Baricco quem domina a escrita, introduz comentários casuais, descreve cenas de um erotismo arrepiante, pinta a paisagem e seus pássaros. E cria um enredo cheio de surpresas, misturando os sentimentos de Hervé pela amante com rosto de menina, que não se corporifica além dos olhares e leves toques através da seda. Hélene, a esposa, recebe o marido de volta à casa e pressente que ele morrerá de saudade de algo a que nunca retornará. O misterioso Japão, depois da quarta e malsucedida viagem, torna-se uma dolorosa lembrança.
Com a delicadeza de um Junichiro Tanizaki louvando a sombra e a sensualidade da vida oriental, Baricco escreve uma obra sobre a sedução de dois mundos incomunicáveis, sem outra intenção que não seja narrar. Simplesmente, como poucos conseguem fazer tão bem.