O fio exato da escrita

Hervé Joncour, de uma cidade qualquer no sul da França, estava destinado pelo pai à carreira militar até o dia em que entrou em sua vida Baldabiou, proprietário de sete fiações de seda. Nas histórias da tradição oral, um gênio ou fada sugere novo caminho ao herói. Baldabiou transformou o subtenente de infantaria num comerciante.

“A fim de evitar os estragos das epidemias que cada vez mais afligiam as criações europeias, Hervé Joncour se deslocava além do Mediterrâneo para comprar ovos de bicho-da-seda na Síria e no Egito.”

Quando as idas à África se tornaram improdutivas, por conta de uma epidemia, os sericicultores franceses decidem financiar viagens de Jancour até o fim do mundo: o Japão. Na despedida, ele abraçou a esposa Hélene e pediu que ela não temesse nada. Atrás de comprar ovos de bicho-da-seda que não estivessem infectados pela epidemia de pebrinha, Jancour chegou a uma ilha japonesa de localização imprecisa, onde se apaixonou por uma mulher com rosto de menina e olhos sem o corte oriental.

Seda, livro do italiano Alessandro Baricco, situa-se no tamanho em que é difícil classificar a categoria a que pertence. Conto? Muito extenso, mesmo se considerarmos o padrão Tolstói em A morte de Ivan Ilitch. Romance? Talvez não, pois se trata de um relato que encerra um relato secreto, modelo dos contos. Novela? Se decidirmos que O legado de Eszter, de Sándor Márai, e Crônica de uma morte anunciada, de García Márquez são novelas, é possível incluir Seda nessa categoria mal definida, em que o número de páginas é critério.

Baricco não faz mais do que narrar uma bela história, põe as palavras nos lugares certos como os ourives que engastam os diamantes nas joias perfeitas. Não cede à tentação da prosa poética, embora impregne o texto de poesia:

“A vida se agitava em voz baixa, movia-se com lentidão astuta, como um animal caçado na toca. O mundo parecia a séculos de distância.”

Ou deixando que a narrativa assuma forma de versos.

“De repente,
sem movimento algum
a menina
abriu os olhos.”

É quase de estranhar que um escritor italiano contemporâneo se valha dos recursos da narrativa oral, sobretudo as repetições, para construir sua novela. As três primeiras viagens ao Japão são narradas da mesma maneira, tanto no percurso de ida como no de volta. Hervé Joncour, que tinha a incontestável tranquilidade dos homens que se sentem no lugar apropriado, aceitou-as porque talvez sofresse de um gosto pelo desconhecido, como se fosse possível reunir numa só pessoa o sedentário e o viajante da classificação dos narradores de Walter Benjamin.

Na quarta viagem, o Japão de aparência serena se transformou com a guerra e as pessoas sofrem. Já não escutamos a voz solene e repetitiva de um velho contador de histórias. Agora, é o escritor Alessandro Baricco quem domina a escrita, introduz comentários casuais, descreve cenas de um erotismo arrepiante, pinta a paisagem e seus pássaros. E cria um enredo cheio de surpresas, misturando os sentimentos de Hervé pela amante com rosto de menina, que não se corporifica além dos olhares e leves toques através da seda. Hélene, a esposa, recebe o marido de volta à casa e pressente que ele morrerá de saudade de algo a que nunca retornará. O misterioso Japão, depois da quarta e malsucedida viagem, torna-se uma dolorosa lembrança.

Com a delicadeza de um Junichiro Tanizaki louvando a sombra e a sensualidade da vida oriental, Baricco escreve uma obra sobre a sedução de dois mundos incomunicáveis, sem outra intenção que não seja narrar. Simplesmente, como poucos conseguem fazer tão bem.