"O Azul" de Rubén Darío

Trinta e três anos separam a publicação de Folhas de relva, de Walt Whitman, e Azul, de Rubén Darío. Aproximados pela modernidade e pela admiração comum a poetas e ao filósofo Ralph Waldo Emerson, os dois viveram em Américas recém-libertas do colonialismo, mas distintas entre si. Octavio Paz escreveu que “a singularidade da poesia de Whitman no mundo moderno só pode ser explicada em função de outra, ainda maior, que a engloba: a da América”.

A poesia exaltada de Whitman celebrando o destino manifesto, que garante aos Estados Unidos o direito de expandir-se sobre as outras nações do mundo, também propõe que nada é melhor do que a simplicidade, que nada pode compensar o excesso ou a indefinição. Carregada do discurso e ideário de Emerson, ela é o contrário do que observou o crítico espanhol Juan Valera sobre o livro Azul, nas suas Cartas americanas: “Se me perguntassem o que ensina o livro e de que trata, responderia sem vacilar: não ensina nada e trata de tudo e nada. É obra de artista, de mera imaginação”.

O livro que “nada ensina”, publicado em 1888 por um jovem nicaraguense de 21 anos, com contos curtos e alguns poemas no final, se transformaria no marco do modernismo literário em língua espanhola. Diferente do extenso manifesto da primeira edição de 1855 das Folhas de relva, Rubén Darío escreveu um artigo em que se vislumbra um propósito para Azul.

Nos contos de Darío é possível reconhecer o seu projeto literário: a crítica ao mundo burguês, em que o artista parece não ter um lugar confortável; a imaginação exótica; a escolha por geografias que tanto podem situar as narrativas na França, Itália e Espanha como na Grécia clássica, em meio a ninfas, faunos e sátiros.

O confronto entre a poesia e a insensibilidade burguesa aparece no conto “O rei burguês”, que narra a tentativa de um poeta sobreviver de sua arte na corte de um soberano mecenas. O tom é irônico, no estilo das narrativas de Andersen e Oscar Wilde, embora a influência da literatura francesa seja evidente. É possível reconhecer as leituras de românticos e simbolistas, principalmente desses últimos, nos contos mais misteriosos, ao estilo do que escreveu Villier de L’Isle-Adam.

Ao contrário da onipresente América de Whitman, força motora de sua poesia nacionalista, a pátria de Darío aparece numa referência casual, no conto “Pombas brancas e garças morenas”, o que nos leva a refletir sobre as diferenças entre o poeta dos Estados Unidos que canta seu país como se ele fosse a única América e o poeta da América Central, que busca na França uma outra pátria.

O modernismo de Rubén Darío consiste em não imitar ninguém, embora assimilando a literatura francesa – Flaubert, Hugo, Gautier, Banville, Mendes –, segundo André Fiorussi. Inflamado pela imaginação dos românticos, parnasianos, decadentes e simbolistas, ele ousa encontrar um estilo original, um verdadeiro escândalo para a literatura espanhola ainda presa aos clichês do século de ouro, enrijecida e anquilosada.

Rubén Darío não antecipou o feminismo, não fez a revolução sexual, não pregou a igualdade das raças, nem a liberdade irrestrita como Whitman, num tempo em que o império espanhol agonizava, dando lugar ao americano. A revolução de Darío acontece na intimidade da literatura. Mesmo assim, ele é aclamado como a voz da hispanidade e da latinidade. Azul é o paradigma de uma modernidade que, após 33 anos do lançamento das Folhas de Relva, surge como um decreto de Rubén Darío a um novo tempo: “O movimento de liberdade que me cumpriu iniciar na América se propagou até a Espanha, e tanto aqui como lá o triunfo está logrado”, afirmou.