A pequena prostituta branca

Quem é o amante de Marguerite Duras? Difícil responder, pois nem mesmo nome ele possui. Duras não gosta de dar nome às pessoas que ama ou odeia. No seu romance, só têm nome os que significam pouco. O amante possui uma galeria de epítetos, jamais um nome: ele; esse homem obscuro de Cholen; o milionário chinês; o amante de Cholen; o homem de Cholen; o homem elegante; meu amante.

Marguerite Duras cria armadilhas em torno da personagem feminina de quinze anos e meio, que atravessa o rio Mekong numa balsa. Ora escreve como se ela fosse a própria adolescente que mora num pensionato de Saigon, ora se distancia como se não suportasse os dramas que revela, preferindo escrever na terceira pessoa. A menina com vestido gasto de seda, sapatos altos em lamê dourado, chapéu masculino com abas retas e lisas também não possui nome. Pode ser a pequena prostituta branca do posto de Sadec; a menina; a pobre menina; ou a menina com chapéu de feltro. Mas o nome nunca será revelado, como se ela não tivesse um pai que a batizou.

A pequena prostituta branca do posto de Sadec tem um amante chinês a quem jura não amar. A mãe dela é referida como a diretora da escola feminina de Sadec, ou essa mulher de uma certa fotografia, ou ela, ou minha mãe meu amor. Tem dois irmãos: o mais velho, por quem nutre sentimentos desencontrados; e o irmão mais novo, que por um lapso da escritora é chamado de nosso pequeno Paulo, uma referência ao nome próprio que nenhum outro personagem da trama merece. É como se a autora quisesse presenteá-lo com a distinção do nome, por conta do amor que sentia por ele, tão grande que a fez desejar a morte quando o perdeu precocemente.

O romance de Duras provoca no leitor o mesmo transtorno de que sofrem a narradora e seus personagens. Somos arrastados por fluxos de memória e sentimentos contraditórios. Muitas vezes ficamos à deriva como a balsa que atravessa o rio Mekong, mas retornamos a um fio narrativo que nos conduz entre afirmações e negativas, num discurso psicanalítico. Duras escreve como quem tece e desmancha. Se buscamos nos romances longos a distensão que nos alivie dos conflitos da trama, nas páginas compactas de O Amante quase não existe trégua nem cessar fogo.

Mas quem é o amante dessa menina com chapéu de feltro, o homem que a apanha todas as noites num pensionato, numa limusine preta, e a leva ao quarto onde se amam até à exaustão? Quem é esse amante magro e de corpo sem força, sem músculos e sem virilidade a não ser a do sexo? E porque a filha da professora de Sadec, que quase nunca refere o pai, que só vagamente nos faz supor que ele morreu, deixa-se banhar por ele, com a água fria de uma jarra, como criança entregue aos cuidados paternos? Talvez para descobrir-se e revelar-se nas últimas páginas do romance que se tornara a filha do amante.

Nesse romance bem escrito cumpre-se a lei de que todos os livros se enunciam nas primeiras páginas. No começo, a filha da professora de Sadec afirma que escrever não é nada; escrever não é nada senão publicidade. O romance gravita em torno do desejo de escrever, maior talvez do que o desejo pelo pai e pelo amante. Ela nega esse desejo para afirmá-lo muitas vezes.

A menina que brevemente retornará à França, atrás de tudo o que perdeu, tudo o que não teve na infância miserável, descobrirá um único caminho possível para reaver o que lhe foi tirado: o esquecimento. E só alcança o esquecimento escrevendo.

Vou escrever livros. É o que vejo para além do instante, no grande deserto que se afigura como a extensão de minha vida.

Afirma com fervor e cumpre.