Um octogenário que vive cheio de esperanças

Cláudio Aguiar recebe homenagem na Academia Pernambucana de Letras e relembra a gratidão a Mauro Mota

Minidocumentário sobre o escritor Cláudio Aguiar, produzido pela Revista Pernambuco foi exibido pela primeira vez na homenagem ao escritor, na APL
Minidocumentário sobre o escritor Cláudio Aguiar, produzido pela Revista Pernambuco foi exibido pela primeira vez na homenagem ao escritor, na APL

NA ACADEMIA Cláudio Aguiar

         A vida, examinada ao longo das décadas, me induz a indagar: que, afinal, fiz até aqui? Devo buscar a resposta nas coisas que criei, a exemplo das obras literárias ou olhar para dentro de mim mesmo, como quem mira a face do espelho?

         Nesse caso, tomarei o devido cuidado, porque sei, que ao contrário do que aconteceu no passado, não vislumbrarei agora aquele jovem, mas, felizmente, um octogenário que vive cheio de esperanças.

         Já que estamos numa Casa de escritores e de atentos leitores, essa sensação de mudança poderá ocorrer também com o extraordinário significado da releitura, porque, pelo menos eu, sou levado a fazer rápida retrospectiva em busca de um passado prenhe de boas lembranças.

         Disse releitura e não leitura. Ao se virar a página do livro já lido, as ideias parecem ser outras, como acontece com a vida. As palavras vivem situações inusitadas. As imagens e as ideias sugeridas por elas, de repente, ganham novos significados. Vivemos, então, aquele efeito provocado pelo caleidoscópio, que, com um leve giro, nos revela um mundo desconhecido, embora, quase sempre, maravilhoso. Assim é o ato de estar vivo.

         Por falar nessa dádiva, hoje, registro, sem a intenção de exaltar algum merecimento que por acaso enxergam alguns admiradores de minha obra, que no mês passado, fui lembrado na minha terra natal, o Ceará, de onde me ausentei aos dezesseis anos de idade, com a edição e lançamento de livro com minha fortuna crítica e uma Exposição de minhas obras numa Galeria de Arte da capital alencarina. Isso significou importante estímulo.

         Da mesma forma, senhor presidente, escritor e acadêmico Lourival Holanda, sou, agora, lembrado na Casa de Carneiro Vilela, circunstância que também me emociona e reafirma a vontade de prosseguir a caminhada.

         Por isso, sensibilizado, agradeço ao acadêmico Mário Hélio a oportunidade de estar hoje na presença das senhoras e dos senhores. Sua iniciativa, na prática, revive os passos daqueles que ajudaram (e ajudam) a combater o esquecimento, ente invisível que se compraz em corroer os lastros da memória, chegando a destruir os mais duros e empedernidos escolhos da História.

         O trabalho de Mário Hélio, na condição de editor de periódicos literários tão importantes para a vida cultural de Pernambuco, ora sob o sinete e a chancela da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), aproxima os valores de gerações passadas com os das atuais, destacando, exatamente, aquilo que mais explica e justifica suas existências por meio de obras literárias.

         Também não poderia deixar de agradecer publicação de artigos e de meu perfil (estampado sobre sutis laivos hispânicos) em sua capa de dezembro na revista Pernambuco.

         Recebo essa homenagem não apenas como registro cronológico de minha já longeva idade, mas, sobretudo, como reconhecimento a um grupo de jovens que, no seu tempo se reuniu em torno da chamada “Geração 65”, da qual participei ativamente. E mais: porque, como se fora um enlace de gerações, sou lembrado ao lado de Mauro Mota, sem dúvida, um dos mais atuantes escritores da vida cultural e literária de Pernambuco e do Brasil.

          Por falar no autor das famosas Elegias, confesso que minha admiração por Mauro Mota nasceu desde os primeiros anos da década de 1960, quando vim morar no Recife. Essa amizade cresceu tanto que logo firmamos sólida camaradagem.

          Ademais, foi ele quem primeiro leu os meus originais e acreditou neles, escrevendo, em sua coluna Agenda, do Diário de Pernambuco, de 20 de setembro de 1972, animadora apreciação crítica. Seu gesto, em relação a um jovem que se iniciava nas letras, foi decisivo para me animar a publicar pela Editora Cátedra, do Rio de Janeiro, a coletânea de contos Exercício para o salto, momento que marcou minha estreia, inclusive com a presença de Mauro Mota no dia do lançamento numa livraria carioca.

           Aliás, recordo, com enorme alegria, a presença àquele lançamento de dois queridos amigos de geração: o poeta José Mário Rodrigues, aqui presente, e o poeta Tarcísio Meira César, que já não se encontra entre nós.

         Finalizo, reafirmando que, ao participar desse lançamento de números de novembro e dezembro do ano em curso da revista Pernambuco, nos quais aparecem textos que enlaçam os 40 anos de morte de Mauro Mota com os meus 80 anos, em verdade, sinto-me orgulhoso e feliz por figurar ao lado de tão ilustre companhia.

         Muito obrigado.

Cláudio Aguiar é escritor, autor de Caldeirão, A volta de Emanuel, Francisco Julião - uma biografia, O último romance de Proust, A última noite de Kafka, entre outros. Site https://claudioaguiarescritor.com