A Comoção do Amigo

A história da amizade entre José Sarney e Marcos Vilaça, morto em março de 2025, e as afinidades intelectuais e literárias dos integrantes da Academia Brasileira de Letras

Marcos Vilaça, na ocasião de sua posse na ABL, ao lado de José Sarney, em 1985
Marcos Vilaça, na ocasião de sua posse na ABL, ao lado de José Sarney, em 1985

Quinze dias após a morte do amigo Marcos Vinicios Vilaça, o escritor José Sarney ainda se comove ao falar do assunto. Tinham uma amizade longa e sincera. Reconheciam-se e elogiavam-se, embora Marcos fizesse restrições ao poeta Sarney. Preferia o romancista. “Saraminda é uma obra de gênio”, afirmava.

O primeiro encontro foi no início da década de 1960, no Rio de Janeiro, na casa do jornalista e poeta Odylo Costa, filho, “talvez o melhor amigo que tive em toda vida, e que escreveu um belíssimo soneto para Maria do Carmo, ‘A Baronesa de Limoeiro’”, afirma Sarney. Era um encontro que, constantemente, Odylo promovia com a presença de grandes intelectuais. “Lá conheci Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Guimarães Rosa e Marcos Vilaça, que estava com a esposa, Maria do Carmo.” Desde então tornaram-se amigos muito próximos.

Ao receber Marcos na Academia Brasileira de Letras, em 2 de julho de 1985, o ex-presidente afirmou que sabia que teria aquela incumbência, e a certeza “não vem de artes de adivinho, mas dos largos rios da amizade. Do gosto comum pela Política e pela Literatura, pelas minhas raízes pernambucanas de que tanto me orgulho, da gloriosa e forte mãe do semiárido, terra entre a Mata e o Sertão, de Correntes, Bom Conselho, Cabrobó, que povoaram minha infância, na história da família pobre. Dali, ela partiu, no sofrimento dos retirantes, em busca dos vales verdes do Maranhão”.

A mãe homenageada, dona Kiola, hoje nome de um hospital construído pelo governador Miguel Arraes em Correntes, tinha uma avó também “braba e decidida. Era guardiã da igreja. Morava numa casa ao lado e por quatro anos esperou que o corpo do marido se tornasse cinza”. Passado este tempo, apanhou as cinzas e foi morar no Recife, guardando os restos do marido sob a cama.

Em nome dessa origem pernambucana, quando tomou posse na Academia Brasileira de Letras, em 6 de novembro de 1980, o então governador de Pernambuco, Marcos Maciel, o presenteou com a espada acadêmica, que hoje está exposta no salão nobre da Academia Maranhense de Letras.

Outras duas artes estreitaram os laços entre eles, a Política e a Literatura. Sarney não vê antagonismos entre elas. “Política é um destino, literatura uma vocação. Política é a arte da realidade e literatura a arte da imaginação. É possível uma convivência pacífica entre as duas. Muitos fizeram isso. O pai de Ruy Barbosa – o médico, político e jornalista João José Barbosa de Oliveira –, o pai de Joaquim Nabuco – conselheiro José Tomás Nabuco de Araújo Filho – e o próprio Nabuco.” Aliás, Vilaça afirmava ser “Joaquim Nabuco a melhor rima para Pernambuco”. E Sarney, quando pediu conselhos de leituras para o pai, Sarney de Araújo Costa, membro do Tribunal de Justiça do Maranhão, esse foi enfático, “leia Vieira”, “e depois que eu ler todo Vieira”, “leia Um Estadista do Império, onde Joaquim Nabuco fala do próprio pai.”

“Vilaça teve a oportunidade de dar uma forte contribuição para a ensaística”, segundo Sarney, ao escrever os livros Em Torno da sociologia do caminhão e Coronel, coronéis, este em parceria com Roberto Cavalcanti de Albuquerque. “São obras icônicas.” No entanto, foi na oratória que Marcos ganhou destaque. “Era um excelente orador.” Além de Sarney, Gilberto Freyre, “a grande influência de Marcos”, reconheceu essa qualidade do acadêmico. Num depoimento para a TV Senado, Vilaça disse que foi Gilberto quem o incentivou a cultuar a oratória, “sua arte é a da palavra falada”, teria dito o sociólogo.

Foi ainda Gilberto, lembra Sarney, que, diante do moço que presidia a Academia Pernambucana de Letras, cunhou a frase: “tão jovem e tão presidente”. Marcos tinha então 30 anos. Essa experiência, anos depois, ele levou para a Academia Brasileira, que presidiu por dois mandatos. “Talvez tenha sido, e foi, um dos melhores presidentes da Casa”, diz Sarney enumerando os feitos do amigo, como a ampliação das condições para que a Academia, através de parcerias, angariasse novos recursos. A instituição vive basicamente dos aluguéis dos escritórios instalados no Palácio Austregésilo de Athayde, um edifício de 28 andares, na Avenida Presidente Wilson, ao lado do Petit Trianon. Vilaça teria ainda revitalizado o teatro e melhorado significativamente os bens materiais da Academia, além de influir positivamente na eleição de vários acadêmicos, como Nelson Pereira dos Santos e Marcos Maciel.

O tino administrativo, segundo o próprio Vilaça, viria da junção “do pragmatismo da mãe e do pessimismo do pai”. Sarney reconhecia essa capacidade. “Nossa amizade vem por suas qualidades morais e intelectuais, por isso procurei trazê-lo para junto de mim quando Presidente da República. Quando, para infelicidade de todos nós, Tancredo Neves morreu, e foi confirmada minha presença no cargo, respeitei as escolhas de Tancredo para o ministério, mas trouxe para junto de mim duas pessoas de minha extrema confiança, Jorge Murad, meu genro, e Marcos Vilaça. Era um excelente servidor público, um excelente administrador. Mostrou isso quando Secretário da Cultura do Ministério de Educação e Cultura.”

“Era uma convivência agradável, completava a ternura e a simplicidade de Maria do Carmo. Eles nos convidaram para sermos padrinhos de Ticiana. Aceitamos com todo envolvimento emocional que o termo padrinho pede.” Quando a menina nasceu, lembrou Marcos em seu discurso de posse na ABL, recebeu uma homenagem poética: “Quando nasceu Taciana / no reino do rei Vilaça / e da rainha Maria, / do Carmo também chamada, / o povo todo sabia / que a menina era dotada / das belezas que trazia / dessa rainha Maria / e grandes dotes de graça / dos sangues do rei Vilaça. // Agora aqui tá chegando / das terras do Maranhão / gente que vem presentear / bonduras do coração / para homenagear a nina / da terra pernambucana / doce e bela Taciana / a quem devo devoção / dentro dos céus e da lei, / dessa família o escravo, / o cantador, José Sarney”.

“Foi importantíssimo para a história de Pernambuco. Estão aí as evocações que recebeu. Perdi uma das grandes alegrias de minha vida.”