Corria o ano de 1954, estou calçando as chuteiras, Odilon Maroja, nosso beque central, China Bivar, zagueiro direito ao meu lado, no vestiário do Sport na Ilha do Retiro, chega Manga para treinarmos. Nenhum de nós o conhecia, ele permaneceu calado, sentado e imóvel, enquanto nosso roupeiro Chico, baiano do candomblé, procurava um par de chuteiras Nº 45 para ele calçar e treinar conosco. Como Chico não encontrou chuteiras daquele número, nosso técnico Capuano deixo-o no banco e perto de terminar o treino escalou o pobre no gol. E descalço ele fechou a meta com seus um metro e oitenta de altura, mãos e pés enormes. Fomos bicampeões invictos 54/55 sendo que em 54 sem sofrer gol. A propósito, o saudoso jornalista Fernando Menezes publicou matéria na página esportiva do Diario de Pernambuco, intitulada Memória, com a manchete: "Entra em campo o time que nunca perdeu!" E acrescenta: “em 1954 nas manhãs de domingo entrava em campo uma equipe que nunca perdeu. Aliás, nunca levou um só gol. Era o time de Capuano, um descobridor de talento, um garimpeiro de craques. O juvenil do Sport, campeão invicto e sem tomar gol, revelou ao futebol brasileiro e mundial Manga e mais tarde Almir.”
Participando do Torneio internacional de Nova York os goleiros titulares do profissional do Sport, Carijó e Osvaldo Baliza contundiram-se e o jovem Manga viajou às pressas para substituí-los no quadro principal. Daí por diante, não cedeu a posição para ninguém mais.
Campeão pernambucano (1955, 1956 e 1958), em 1959 foi para o Botafogo, onde sagrou-se titular durante dez anos seguidos. Participou de quatro conquistas do Campeonato Carioca (1961-62-67-68) e três do Torneio Rio-São Paulo (62-64-66). Titular na Copa do Mundo de 1966, passou pelo Internacional, onde foi bicampeão brasileiro (75-76) e tri Gaúcho. No célebre jogo de 75 contra o Cruzeiro, no Beira-Rio, houve uma falta perto da grande área contra o Colorado e Nelinho (o chute mais forte do Brasil), beque direito do Nação Azul, foi bater. Manga estava com três dedos da mão fraturados (ele não usava luvas). Eu estava assistindo a partida com meus dois filhos Duda e Carlito pela televisão, Nelinho ajeitou a bola com carinho, no local certo, Manga mandou a barreira abrir. Meus filhos se espantaram: “Esse cara é maluco!” Conhecendo Manga como conhecia, vaticinei: “Ele vai pegar a falta e encaixar a bola.” Duda e Carlito não acreditaram. A barreira abriu, o petardo foi tão forte que a pelota fez uma pequena curva antes de Manga encaixá-la com segurança e o estádio veio abaixo como se fora um gol do Inter. Tempos depois, ao encontrá-lo casualmente passando pela Cinelândia, lhe perguntei como foi aquilo. Ele, que apostava em tudo, confessou que apostara com um torcedor que se houvesse falta contra o Inter e Nelinho fosse cobrar, ele defenderia, mesmo com os dedos quebrados. No Nacional do Uruguai barrou o titular Mazurkiewicz, considerado, à época o maior arqueiro do mundo.
Na final de Sport x Santa Cruz juvenil de 55, na Ilha do Retiro, fui dar uma bicicleta, machuquei seu queixo, ele disse: “Deixa pra lá, vamos em frente, o importante é o Campeonato”. E ganhamos o jogo.”
Encerrou sua carreira no Barcelona de Guayaquil, em 1982, aos 45 anos. O dia de seu nascimento, 26 de Abril, se tornou oficialmente o “dia do goleiro,” em sua homenagem.
Está fazendo dois anos, telefonei para o jornalista Ivanildo Sampaio pedindo-lhe o telefone e o endereço de Manga. Queria reunir os remanescentes do time que não sofreu gol. Ele estava morando no Equador, Antônio Jayme da Fonte reservou a suíte presidencial de seu hotel em Boa Viagem para ele e sua esposa, telefonei para Milton Bivar pedindo um patrocínio para sua passagem de avião. Logo depois, Manga me telefonou dizendo que não podia vir, por estar doente.
Arthur Carvalho é advogado, jornalista e escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras
NOTA DA REDAÇÃO:
Haílton Corrêa de Arruda, Manga, nasceu no Recife, em 26 de abril de 1937 e faleceu no dia 8 de abril de 2025, em decorrência de um câncer de próstata. Era casado com Maria Cecilia Cisneros e, desde 2020, foi o primeiro desportista a morar no Retiro dos Artistas do Rio de Janeiro.