Rubens Paiva, Virgínia, Freud e Saint-Exupéry: admiração eterna pelas mães

No quarto dia da série sobre escritores e suas mães, confiraa admiração que as progenitoras provocaram em filhos como Marcelo Rubens Paiva, Virgínia Wolf, Sigmund Freud e Saint-Exupéry

Marcelo Rubens Paiva escreveu Ainda Estou Aqui onde relata a coragem da mãe Eunice, em busca de informações sobre o marido torturado e morto pela ditadura
Marcelo Rubens Paiva escreveu Ainda Estou Aqui onde relata a coragem da mãe Eunice, em busca de informações sobre o marido torturado e morto pela ditadura

Uma das imagens mais marcantes do filme Ainda estou aqui, ao longo da torcida pela conquista do primeiro Oscar para o Brasil, mostra Eunice Paiva (a impecável atriz Fernanda Torres) reunindo os filhos para posar para uma revista. O repórter e o fotógrafo pedem que a família faça uma cara de sofrimento e, assim, reforçar o drama que vivem pelo desaparecimento do marido e pai Rubens Paiva, político cassado levado por agentes da repressão da ditadura militar, em 1971. Eunice discorda e pede a todos que sorriam.

A fibra de Eunice marcou profundamente Marcelo Rubens Paiva, o único homem da prole, que resgata a memória afetiva e política da mãe no romance autobiográfico Ainda estou aqui, cuja adaptação para o cinema deu o Oscar de Melhor Filme Internacional. Ao arrebatar plateias, mostrou a força que uma mãe pode ter na vida não apenas do seu filho e da família, mas na vida política de um país.

Eunice foi um farol na escuridão da ditadura militar e o pilar na vida do escritor quando tudo desabou, após seu pai ser torturado e morto pelos militares, segundo Marcelo. Ela enfrentou o luto e o silêncio oficial com coragem admirável, ao mesmo tempo em que procurava levar à normalidade a vida doméstica, participando da vida dos filhos.

A admiração de Marcelo pela mãe é expressiva em outra fotografia – reencenada no filme – quando ele olha para Eunice, que sorridente, mostra, vitoriosa, à imprensa, a certidão de óbito do Rubens Paiva, após muita luta na justiça.

Outra relação de grande admiração - e também de sofrimento - se deu entre a escritora inglesa Virgínia Wolf com a mãe Julia Stephen, uma mulher fascinante: nascida na Índia, modelo de pintores pré-rafaelitas, inteligente e bela, ela podia ser descrita como  uma figura quase mítica para a filha.

Só que Júlia Stephen morreu quando Virgínia tinha apenas 13 anos, uma perda precoce que desencadeou um colapso nervoso da futura escritora, marcando sua vida.

A ausência da mãe tornou-se um tema recorrente na obra da autora. Em Ao farol, a personagem Mrs. Ramsay é uma espécie de retrato idealizado de Julia. O romance, escrito décadas após a morte dela, foi – de acordo com Virgínia – uma forma de “revivê-la” e finalmente “sepultá-la”.

A figura materna, entretanto, está presente em diários, cartas e no ensaio Um esboço do passado (A sketch of the Past), incluído no volume Moments of Being. Nesse ensaio autobiográfico, Vírginia reflete intensamente sobre sua mãe e seu impacto duradouro em sua psique.

“A morte da minha mãe foi o maior desastre que me aconteceu. Foi um acontecimento que dividiu a minha vida ao meio. Quando ela morreu, deixei de ser criança…Nunca superei a morte dela. Eu era tão dominada por ela, que, mesmo muitos anos depois, eu sonhava com ela toda a noite.”

Édipo

Sigmund Freud, que foi muito mais psicanalista que escritor, teve uma relação de grande admiração e amor pela mãe Amália Freud, que explica bem a criação do complexo de Édipo, definido por ele.

Amália teve o filho aos 20 anos, e desde cedo Freud se percebeu como o seu favorito, uma condição que ele próprio reconhecia e que, mais tarde, se tornaria um dos fundamentos de sua reflexão sobre o desejo, o narcisismo, e a constituição psíquica do sujeito.

Amália chamava o filho de “meu pequeno sigi de ouro” e essa adoração moldou profundamente a autoestima e a ambição intelectual de Freud. Ele mesmo admitia: “A quem devo minha devoção para a ciência? À ternura de minha mãe.”

Freud também dizia que a figura materna era o primeiro e mais forte objeto de amor de toda criança, e no seu caso, isso foi mais do que teoria.

Apesar de não ter escrito textos específicos sobre a mãe, ele registrou essa admiração em cartas enviadas a amigos, como a que ele enviou para Fanny Moser, em 1938, pouco tempo depois de deixar a Áustria por causa da perseguição nazista. Na carta, Freud fala da dor de deixar Viena e relembra a mãe.

“Minha mãe, Amália, morreu em 1930 aos 95 anos. Teve uma vida extraordinariamente longa, foi uma mulher forte, inteligente, orgulhosa, e apagada a mim com uma devoção que às vezes me constrangia.”

O livro Cartas à minha mãe, de Antoine de Saint-Exupéry, é um poema emocionante sobre a importância da mãe na vida de uma pessoa.

No livro que a pintora Marie de Saint-Exupéry publicou após o desaparecimento do filho na Tunísia, vê-se a devoção do piloto-escritor a sua confidente, conselheira e protetora (em muitos momentos ele pedia ajuda financeira), ao mesmo tempo em que conta suas impressões das viagens, os locais que conheceu e o horror da guerra. Mas no fundo, o que o autor queria oferecer à mãe era o seu afeto, mesmo que a milhas de distância.

Alguns dos trechos escritos em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, chamam atenção pelo carinho. “Mamãe, minha querida mamãe. Só escrevo para lhe dizer que penso em você. Que penso em você como quem reza, com um amor absoluto, como você fosse a única coisa estável neste mundo instável…Tudo se desagrega, menos você no meu coração.”, registrou num texto. Em outro, desabafou. “Quando tudo parece desmoronar, é em teu amor que eu me agarro. Sinto sua mãe sobre minha cabeça, como quando eu era pequeno. Isso me consola do mundo.”