Mia Couto ganha prêmio PEN/Nabokov 2025

Autor moçambicano, reconhecido pela força e identidade dos seus textos, é o primeiro escritor de língua portuguesa a receber honraria

Mia Couto é considerado um dos mais importantes autores da língua portuguesa da atualidade, com uma obra focada na realidade moçambicana
Mia Couto é considerado um dos mais importantes autores da língua portuguesa da atualidade, com uma obra focada na realidade moçambicana

O escritor moçambicano Mia Couto é conhecido pelas homenagens que costuma receber pelo conjunto de sua obra. Um dos seus feitos é ser o único africano a pertencer à Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupando a cadeira número 5 da instituição. Mas recentemente, na última sexta-feira,  ele conseguiu nova proeza: foi o primeiro autor de língua portuguesa a receber o renomado Prêmio PEN/Nabokov 2025, que integra o PEN América, destinado à literatura internacional.

Em comunicado emitido pelos organizadores do prêmio, explicou-se que a  decisão de entregá-lo a Mia Couto se deveu ao conjunto da sua obra. “Couto é admirado por romances como Terra Sonâmbula (1992) e, recentemente, pela trilogia As areias do Imperador, que foi selecionado para o Prêmio Booker Internacional.”

Outro fator que teria motivado a destinação do prêmio ao moçambicano, segundo relato do júri, seria o trabalho extraordinário do escritor, citado como um testemunho da dramática história da sua pátria. “Bem como dos enigmas de identidade e da existência”. Os jurados ressaltaram, ainda, que Mia Couto ocupa uma posição singular no panorama das literaturas africana e mundial.

O Prêmio criado em 2016 celebra autores cuja obra demonstra “originalidade duradoura e artesanato consumado”, evocando a versatilidade e o compromisso com a literatura, características da escrita de Vladimir Nabokov, segundo ressaltam os organizadores.

Fundado em 2016, este prémio distinguiu anteriormente os escritores a guadalupense Maryse Condé, o indiano Vinod Kumar Shukla,o queniano Ngugi wa Thiong e a canadense Anne Carson. Também foram premiados a poetisa norte-americana Sandra Cisneiro,  a canadense M. Nourbe e Philip, a escocesa Edna O'Brien e o poeta sírio Adonis.

Vencedor do Prémio Camões em 2013, Mia Couto é autor, entre outros, de Jesusalém , O Último Voo do Flamingo, Vozes Anoitecidas, Estórias Abensonhadas, Terra Sonâmbula, A Varanda do Frangipani e A Confissão da Leoa.

A sua posse na Academia Brasileira de Letras ocorreu em 1998, como sócio correspondente, cuja função é promover um intercâmbio entre o país de origem do acadêmico e o Brasil.

Na ocasião, Couto foi saudado  pelo acadêmico Marcos Vilaça, falecido recentemente. Ele ocupa a cadeira que antes era do escritor David Mourão-Ferreira, morto em 1996.

Traduzido em mais de 30 línguas, o escritor também recebeu o Prémio Vergílio Ferreira, em 1999, o Prémio União Latina de Literaturas Românicas, em 2007, e o Prémio Eduardo Lourenço, em 2011, pelo conjunto da obra, entre outras distinções.

Terra Sonâmbula foi eleito um dos 12 melhores livros africanos do século 20, e Jerusalém esteve entre os 20 melhores livros de ficção mais publicados em França, na escolha da rádio France Culture e da revista Télérama.

O Prémio PEN/Nabokov de Literatura Internacional, no valor de 50 mil dólares (cerca de 45 mil euros), é concedido anualmente pelo PEN America, em colaboração com a Fundação Literária Vladimir Nabokov, a um autor vivo cujo corpo de trabalho, escrito ou traduzido para inglês, representa o mais alto nível de realização em ficção, não-ficção, poesia e/ou drama, segundo informação do site oficial do galardão.

Histórias moçambicanas

O primeiro romance de Mia Couto, Terra Sonâmbula, foi publicado em 1992. O livro se inspira na guerra civil pós-independência de Moçambique, levando o leitor a conhecer o conflito brutal que durou de 1977 a 1992, quando a Renamo - movimento de minoria branca apoiado pela África do Sul - lutou contra Frelimo. O livro foi um sucesso imediato.

O autor se descreve como africano, mas suas raízes estão na Europa. Seus pais portugueses se estabeleceram em Moçambique em 1953, após fugir do regime ditatorial de António Salazar. Couto nasceu dois anos depois na cidade portuária de Beira.

Em entrevista à BBC ele ressalta que estava consciente do fato de que vivia em uma “sociedade colonial”, porque eram visíveis as fronteiras entre brancos e negros, pobres e ricos.

Quando criança, era tímido, incapaz de falar em público. E encontrou consolo na palavra escrita. “Eu inventei algo, uma relação com o papel, e então por trás desse papel sempre havia alguém que eu amava, alguém que estava me ouvindo, dizendo. “Você existe.”

O escritor afirmou que sua aproximação com a cultura moçambicana se deu a partir da convivência com os filhos dos “assimilados”, a elite negra que o aceitava por ser branco. Isso o ajudou a se encaixar, posteriormente, na maioria negra.

“Só me lembro que sou uma pessoa branca quando estou fora de Moçambique. Dentro de Moçambique é algo que realmente não me ocorre”, afirma.

No entanto, quando criança, sabia que sua branquitude o tornava diferente. “Ninguém estava me ensinando sobre a injustiça…a sociedade era injusta onde eu estava vivendo. E eu pensei: “Não posso ser uma pessoa feliz sem lutar contra isso.” Na juventude, Mia engrossou as fileiras da Frelimo na luta pela Independência.

Em novembro de 2024, durante entrevista para o lançamento de A cegueira do Rio, seu último romance, confessou estar profundamente angustiado com a situação política de seu país.

“Metade de mim está lá, em Moçambique, onde estão meus filhos, meus netos, minha vida. O que está a acontecer é um apelo a um golpe de Estado, a um regime autoritário que não respeite a cidadania.”, disse o autor.

Seu país, novamente, enfrenta uma crise aguda, iniciada após as eleições de outubro, que foram marcadas por fortes indícios de irregularidades. O candidato da oposição à Presidência, Venâncio Mondlane, proclamou-se o vencedor, mas as autoridades deram a vitória a Daniel Chapo, que ocupa o governo desde a Independência, em 1975.