Joyce, Kafka e Sylvia Plath: culpa e saudades

Autores como Kafka e Joyce em certos momentos, sentiram-se culpas por acreditar que tinham agido errado com as mães. Já Sylvia Plath, culpava a genitora por não entender sua angústia existencial

Kafka era mimado e muito próximo da mãe Julie Löw, mas sentia-se culpado por envolvê-la nas constantes brigas com o pai
Kafka era mimado e muito próximo da mãe Julie Löw, mas sentia-se culpado por envolvê-la nas constantes brigas com o pai

Os livros do  escritor Franz Kafka abordam temas complexos e que, por vezes,  atordoam o leitor. Os enredos e narrativas densas de um dos maiores escritores mundiais, em nada lembram a relação carinhosa e acolhedora que o autor tcheco mantinha com a mãe, Julie Löwy. Ela não só o mimava em excesso para suprir a violência proveniente do marido, como mantinha um diálogo e aproximação constantes com o filho. 

No livro Carta ao pai o autor deixa escapar em parte, a culpa que sentia por envolver a mãe nas suas desavenças com o patriarca da família. 

“Sem consideração, jogamos às costas dela (Julie) nossas desavenças, tu da tua parte, nós da nossa. Era uma distração, não pensávamos nada, pensávamos apenas na luta que tu travavas conosco e nós contigo, e sobre mamãe descarregávamos tudo”, escreveu o autor no livro. 

Ainda em Cartas ao pai, Kafka desabafa sobre a exploração da mãe pela família, seja por excesso de trabalho, seja por tomar conta de todos, marido e filhos. “Ela tinha se estafado na loja, na casa, tinha sofrido em dobro todas as doenças na família, mas o coroamento de tudo foi o que padeceu na posição de intermediária entre nós e você…Quanto ela sofreu de nós por sua causa e de você por nossa causa”, desabafou o autor.

Sylvia Plath vivia em conflito permanente com Aurélia Plath

A relação de poeta Sylvia Plath com sua mãe foi igualmente marcada por ambivalência. Aurélia Plath era dedicada, mas extremamente exigente, o que gerou um conflito constante na vida emocional de Sylvia. 

Em suas cartas e diários, Plath muitas vezes expressa sentimentos contraditórios — amor, culpa, frustração e desejo de independência. Esses sentimentos estão presentes em seus poemas, como no sombrio Medusa, onde a imagem materna é opressora, sufocante. 

Embora o foco de muitos estudiosos seja sua relação com o pai (tema central no famoso poema Daddy), a mãe foi igualmente uma figura poderosa em sua psique e literatura. Após a morte de Sylvia, Aurélia publicou suas cartas em um livro, revelando o quanto a tensão entre afeto e liberdade marcou a relação entre as duas.

Em um dos trechos dos seus diários, Sylvia oferece uma visão íntima de sua relação com a mãe. “Preciso de um pai. Preciso de uma mãe. Preciso de algum ser mais velho e sábio para quem chorar. Falo com Deus, mas o céu está vazio.”

Culpa

James Joyce manteve uma relação próxima com sua mãe, Mary Jane "May" Joyce, especialmente durante seus primeiros anos de vida adulta. Embora não existam registros amplamente conhecidos de cartas escritas diretamente para ela, há evidências de que Joyce se correspondia com May, particularmente durante seu período em Paris no início do século XX.

Em uma carta datada de 21 de fevereiro de 1903, Mary Jane escreveu a James enquanto ele estava em Paris. Nessa correspondência, ela expressa preocupação com o bem-estar do filho, oferece conselhos práticos e compartilha notícias familiares. Ela também menciona ter enviado dinheiro para ajudá-lo com despesas, demonstrando seu apoio contínuo. A carta reflete o carinho materno e a tentativa de manter o vínculo familiar, mesmo à distância.

Mas a relação de Joyce com a mãe também teve entraves. Após a morte de Mary Jane, em 1903, Joyce expressou sentimentos de culpa e remorso, emoções que influenciaram personagens e temas em seus escritos, a exemplo de Ulisses, onde a figura materna é retratada com complexidade emocional. No livro, o protagonista Stephen Dedalus, alter ego do autor, é assombrado por visões da mãe morta. No primeiro capítulo, há um diálogo carregado de dor e rejeição em que Stephen afirma: “Eu não ajoelhei ao lado da cama de minha mãe.”