Existem mães e filhos que mantêm uma relação estreita, íntima, que vai muito além dos laços filiais. Caso do argentino Jorge Luis Borges com a mãe Leonor Acevedo Suárez, que se desenrolou proximamente durante a vida de ambos.
A dependência materna do sisudo escritor com a genitora chega a ser inusitada: o argentino morou com a mãe até a sua morte, em 1975, e amigos próximos relataram que ele teria dormido fora de casa uma única vez nesse período. Ela também era zelosa em relação às companhias femininas do filho, que evitava ostentá-las.
Idiossincrasias à parte, Leonor teve um papel muito importante na carreira e vida de Borges. Era uma mulher culta, fluente em inglês e colaborava com o trabalho do filho. Com o tempo, e com a perda da visão de Borges, tornou-se sua secretária, lendo e escrevendo para ele, além de acompanhá-lo em viagens internacionais. Ela viveu até os 99 anos, falecendo dez anos antes do filho.
Em 1975, no livro Prólogos com um prólogo de prólogos, coletânea produzida pelo autor, há uma introdução em que ele menciona a mãe de forma carinhosa, reconhecendo o apoio dela na leitura e escrita dos seus textos, especialmente após a perda da visão.
Após a morte de Leonor, em 1975, Borges também escreveu um breve texto sobre ela, que foi publicado em alguns jornais e depois incluído em coletâneas. É um dos momentos mais abertamente emocionais da sua escrita.
"Minha mãe, Leonor Acevedo Suárez, nasceu em 1876 e morreu em 1975. Ela viveu quase um século, e eu, que escrevo estas palavras, estou escrevendo-as para ela, como se ela ainda estivesse viva.
Minha mãe era uma mulher de uma grande beleza interior e exterior. Ela tinha uma voz suave e uma risada contagiante. Ela era uma pessoa muito inteligente e culta, e sempre me incentivou a ler e a aprender.
Eu me lembro de que, quando eu era criança, minha mãe me contava histórias de cavaleiros e dragões, de príncipes e princesas. Ela me ensinou a amar a literatura e a poesia, e me mostrou que a imaginação é uma das coisas mais importantes da vida.
Minha mãe também me ensinou a ser corajoso e a não ter medo de enfrentar os desafios da vida. Ela me mostrou que a vida é uma aventura, e que devemos aproveitá-la ao máximo.
Eu sou muito grato a minha mãe por tudo o que ela fez por mim. Ela foi uma mãe incrível, e eu sempre a amarei e a respeitarei."
Esse não deixa dúvidas sobre a profunda admiração e gratidão que Borges sentia por sua mãe, e como ela influenciou sua vida e sua obra.
Dona doida
A influência materna também surge de forma mística e simbólica na obra da mineira Adélia Prado. Sua mãe, Ana Clotilde Correia, como a própria Adélia descreve em entrevistas e poemas, era uma mulher simples, católica fervorosa e muito ligada ao cotidiano doméstico.
Adélia usou muitos exemplos da mãe e da maternidade em sua obra para explorar sentimentos profundos e experiências do cotidiano. Ana Clotilde aparece com frequência, de forma literal ou simbólica, na obra da filha.
Em muitos poemas e textos, Adélia fala da experiência de ser mãe, das relações com a própria mãe e das rotinas da casa com grande sensibilidade. Em “Ensinamento”, reflete sobre os valores transmitidos pela sua mãe, enfatizando a importância do estudo. “Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.”
A poeta exemplifica esse sentimento com o cuidado que a mãe tem com o marido, que faz serão e de quem sente pena por estar no serviço pesado. Para aliviar o cansaço, ela prepara a mesa familiar: “Arrumou pão e café, deixou fogo no tacho com água quente./ Não me falou em amor. /Essa palavra de luxo”.
Em outra ocasião, no poema “Dona Doida”, relembra a mãe preparando outra refeição após uma tempestade, ressaltando a simplicidade e a profundidade dos momentos compartilhados. “Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema, decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.”
Essa presença forte e cheia de fé moldou a escritora mineira que, ao longo da vida, vem mesclando o sagrado e o profano. Em sua poesia, a mãe aparece como um elo com a terra, com Deus e com o feminino.
Símbolo universal
Por fim, a maternidade também se transforma em símbolo universal na literatura. Representa origem, afeto, dor, sacrifícios e revolução, principalmente no romance Mãe, de Máximo Gorki, onde uma personagem se transforma em símbolo de resistência e coragem. Numa poderosa “mãe do povo”.
No romance, Pelagia começa como uma mulher simples, submissa e temerosa, mas ao longo da história se transforma em uma militante revolucionária, movida pelo exemplo do filho Pavel.
Publicado em 1906, o romance é parcialmente inspirado na mãe do próprio autor, embora a personagem principal, Pelágia Nilovna, seja uma figura literária que vai além da biografia.
A mãe real de Gorki, Varvara Kashirina, também teve uma vida difícil, marcada por pobreza e sofrimento. Sua relação com o filho foi complicada: Gorki foi criado em parte por seus avós, após a morte do pai. No entanto, a figura materna permaneceu em sua memória, especialmente como símbolo de ternura e resistência.