A história se repete (1870) , de Mark Twain

Um dos grandes escritores do século XIX americano, Mark Twain frequentou a página The Galaxy, onde publicou o texto "A história e repete"

Estourada a Guerra Civil Americana, em 1861, Samuel Langhorne Clemens, morador do Missouri e então piloto de embarcações no Rio Mississipi, uniu-se a uma milícia que lutava pelos Estados Confederados do Sul, tão desorganizada, que durou pouco tempo e nem o levou aos combates. Ele decidiria se mudar para Nevada, no Oeste, onde, após um breve período como mineiro, passou a trabalhar em jornais locais, escrevendo principalmente histórias satíricas, paródias de pessoas e episódios reais. Quando os alvos das sátiras começaram a se irritar, o editor de Clemens sugeriu que ele adotasse um pseudônimo. Nesse momento, surgiu Mark Twain. E o primeiro time da literatura mundial passaria a ter mais um integrante.

O texto traduzido aqui saiu na revista nova-iorquina The Galaxy, de periodicidade mensal e editada entre 1866 e 1878. Mark Twain foi um dos grandes escritores do século XIX americano que frequentaram aquelas páginas – Henry James e Walt Whitman, para mencionar só dois mais, o acompanharam. Na Galaxy, assinou a coluna Memoranda (“mensagens”, “notas”), de 1870 a 1871, para a qual produzia geralmente de cinco a 10 textos. De teor universal e atemporal e com o humor simples característico do autor, “A história se repete”, uma troça a certa afetação de rigidez de costumes, foi um dos oito que ele escreveu para a edição de dezembro de 1870. Dali a seis anos, Twain publicaria o romance As aventuras de Tom Sawyer e se consagraria como escritor tipicamente americano, dono de um inglês afastado da entonação britânica e próximo ao linguajar do seu país. Mas nunca deixaria de produzir ensaios e outras peças de não ficção. “Pessoalmente, nunca dei importância a livros de ficção. O que gosto de ler são fatos reais e estatísticas de qualquer tipo. Mesmo que sejam apenas fatos sobre o cultivo de rabanetes”, declarou, em entrevista ao autor anglo-indiano Rudyard Kipling, seu fã, em 1889.

Abaixo, a crônica, na íntegra. (fonte: http://www.twainquotes.com/Galaxy/gindex.html)

 

O que se expõe adiante eu encontrei num jornal das ilhas Sandwich do Sul que um amigo mandou, daquele refúgio longínquo e tranquilo, para mim. A coincidência entre a minha experiência própria e a aqui registrada pelo falecido senhor Benton é tão notável, que não posso deixar de publicar e comentar o parágrafo. O jornal das ilhas Sandwich diz:

 Quão comovente é esta homenagem do falecido ilustre senhor T. H. Benton à influência da mãe: “Minha mãe pediu-me para não fumar; até hoje, nunca provei tabaco. Ela me pediu para nunca jogar, e eu jamais joguei. Não consigo nem mesmo dizer quem está perdendo nos jogos que vejo serem disputados. Ela me advertiu, também, contra bebidas alcoólicas, e toda a capacidade de resistência que hoje eu mantenho, e toda serventia que eu possa ter adquirido na vida, atribuo a ter obedecido aos seus pedidos corretos e virtuosos. Quando eu tinha sete anos, ela me aconselhou a nunca beber, e então decidi-me pela abstinência total; que eu tenha persistido nisso por toda a vida devo à minha mãe.”

 Eu nunca vi algo tão interessante. É quase uma descrição exata do meu próprio percurso moral – bastando simplesmente substituir mãe por avó. Que lembrança perfeita eu tenho da minha avó pedindo para que eu não chegasse perto de fumo, aquela santa alma! Ela disse: “Fazendo isso de novo, não é, seu pirralho? Olhe, nunca mais me faça te pegar mascando tabaco antes do café da manhã, ou eu juro que vou te agarrar feito uma jiboia até quase te sufocar!”. Desde então, nunca mais toquei em tabaco assim tão cedo da manhã.

Ela me pediu que jamais jogasse. Veio até mim e sussurrou: “Largue essas malditas cartas agorinha mesmo!  – Dois pares e um valete, seu palerma, e o camarada ali tem um flush!”

Daquele dia em diante, eu nunca joguei – nem sequer uma vez – sem ter pelo menos algumas “cartas marcadas” à mão. Não consigo nem dizer quem perderá nas partidas que estão sendo jogadas, a não ser que eu mesmo dê as cartas.

Quando eu tinha apenas dois anos de idade, ela me pediu que não bebesse, e então decidi-me pela abstinência total. Que eu tenha persistido nisso e aproveitado os benefícios que tal decisão trouxe, por todos esses anos, devo à minha avó. Eu nunca bebi uma gota que fosse, até hoje, de nenhum tipo de água.

 

 

“History repeats itself.”

 

The following I find in a Sandwich Island paper which some friend has sent me from that tranquil far-off retreat. The coincidence between my own experience and that here set down by the late Mr. Benton is so remarkable that I cannot forbear publishing and commenting upon the paragraph. The Sandwich Island paper says:

 How touching is this tribute of the late Hon. T. H. Benton to his mother’s influence: “My mother asked me never to use tobacco; I have never touched it from that time to the present day. She asked me not to gamble, and I have never gambled. I cannot tell who is losing in games that are being played. She admonished me, too, against liquor-drinking, and what ever capacity for endurance I have at present, and whatever usefulness I may have attained through life, I attribute to having complied with her pious and correct wishes. When I was seven years of age she asked me not to drink, and then I made a resolution of total abstinence and that I have adhered to it through all time I owe to my mother.”

 I never saw anything so curious. It is almost an exact epitome of my own moral career -- after simply substituting a grandmother for a mother. How well I remember my grandmother’s asking me not to use tobacco, good old soul! She said, “You’re at it again, are you, you whelp? Now, don’t ever let me catch you chewing tobacco before breakfast again, or I lay I’ll black snake you within an inch of your life !” I have never touched it at that hour of the morning from that time to the present day.

She asked me not to gamble. She whispered and said, “Put up those wicked cards this minute! -- two pair and a jack, you numskull, and the other fellow’s got a flush! “

I never have gambled from that day to this -- never once --without a “cold deck” in my pocket. I cannot even tell who is going to lose in games that are being played unless I dealt myself.

When I was two years of age she asked me not to drink, and then I made a resolution of total abstinence. That I have adhered to it and enjoyed the beneficent effects of it through all time, I owe to my grandmother. I have never drunk a drop from that day to this of any kind of water.