Chico Ludermir/Divulgação

 

Uma linguagem firme, decisiva, cortante. Enredos breves, sem alongamentos, humanos. Assim, despojado e preciso, é o livro de contos de Marco Polo Guimarães. Uma estreia. Uma estreia de mestre, sem dúvida. Mas uma dessas estreias que vem sendo aguardada há muito tempo porque o autor já é um consagrado poeta, a confirmar seu estilo grave e incisivo. Um poeta que conta histórias, desde seu surgimento na década de 1960. É assim: Basta encostar os olhos nas palavras para compreendê-lo e admirá-lo.

 

Além disso, verifica-se o caráter sempre estranho dos seus personagens. A começar mesmo pela figura atordoante do personagem do mini-conto que dá título ao livro — Autópsia do bípede. Com um detalhe — não é simpático; pelo contrário, é monstruoso. Tudo porque os outros personagens do livro são, em geral, simpáticos e aventureiros Às vezes inseguros, malandros, oscilantes.

 

Oscilantes no caráter, mas não na construção. Neste sentido o escritor acerta plenamente e não é por acaso que suas criações lembram personagens de Jonh Fante, e alguma coisa de Salinger. Uma leitura atenta do conto “Uma mulata” demonstra claramente a absoluta qualidade narrativa deste contista.

 

Mas curioso mesmo, na forma e no conteúdo, é “Boracho”, com uma técnica sofisticada e inusitada. Ali, a ação está nos detalhes, nas curiosidades, porque o personagem inominado se realiza, por assim dizer, nos traços e nos contornos. Nada de enredo ou de história. Nada de cena e de cenário. Só o personagem e suas esquisitices. Suas qualidades ou seus defeitos. E é isso. Um conto renovador na sua forma de dizer sem narrar, com uma soma de detalhes. Num escritor menor seria apenas um esboço; nas mãos de Polo ganhou firmeza, vida e deslumbramento. Ao mesmo tempo conto, crônica e narrativa. Uma mão firme de contista sem exageros.

 

Tudo isto revela um conto já não digo surpreendente, porque Polo sempre foi um escritor de qualidade, e essas qualidades tão vivas e corretas não surpreendem, mas engrandecem e enlevam. Destaque-se, ainda, que Polo é, sobretudo, um criador de personagens, um ótimo criador de personagens, que povoam quase todas as páginas, ainda que não existam histórias, naquele sentido tradicional que todos nós conhecemos. São personagens que vão desde crianças abandonadas até boêmios, vagabundos, solitários e velhos entregues à cruel passagem do tempo. E mulheres, lindas e sensuais, dessas em que um momento vale por uma eternidade. Assim, pode-se ler o livro de Polo como um grande, belo e inusitado aprendizado da vida, com tudo o que ela tem de maravilhoso e de inquietante.

 

Uma recomendação: é livro que precisa ser lido ao som de muita música, rock de preferência, com uma cachacinha ao lado.