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Sempre que a inspiração seca ou que me encontro em alguma encruzilhada em relação ao caminho que um texto deve seguir, procuro recorrer a duas fontes que têm se mostrado inesgotáveis. A primeira é Jorge Luis Borges, o homem que jogou luzes difusas quanto ao perigo das metáforas, das bibliotecas e dos espelhos. A outra, o crítico e ficcionista mineiro Silviano Santiago, autor que, como poucos, consegue transformar o jogo da teoria em prazer para o leitor, um exímio domador de ideias. Ainda que diferentes, essas minhas duas fontes “particulares” exercem sobrem mim a função básica das musas: ambas me fazem parar, respirar e acionam a ruptura com o banal, esse constante invasor quando tentamos olhar e averiguar o valor de uma obra de arte.

 

Ano passado, tive a chance de ver Silviano em ação na abertura da Festa Literária Internacional de Paraty, que homenageava Carlos Drummond de Andrade. Falar de Drummond não é fácil. Ou melhor: o que resta ainda a ser dito sobre Drummond? Astuto, Silviano construiu uma árvore genealógica do seu conterrâneo e o chamou de “irmão mais novo do século 20” e nos levou por uma viagem em que a trajetória drummondiana se confundia com os principais naufrágios e êxitos dos últimos 100 anos.

 

Ao final, acabou nos revelando que, sim, ainda há muito para ser compreendido e revisto dentro do legado de Drummond. Silviano sabe nos fazer olhar outra vez para o que consideramos como decodificado. A olhar com mais atenção e cuidado.

 

Acaba de sair no Chile uma edição reunindo alguns dos principais ensaios de Silviano Santiago, que merece uma versão para o português com urgência: Una literatura em los tropicosEnsayos de Silviano Santiago, pelas Ediciones Escaparate, com organização da dupla Mary Luz Estupiñán e Raúl Rodríguez Freire. Os organizadores ressaltam o quanto os textos aqui compilados trazem uma importante desconstrução do Brasil, da América Latina e dos clichês que a crítica literária latino-americana insiste em reproduzir. Silviano é um autor em combate. Mas é também um autor para o prazer, repito. Duas qualidades difíceis de serem conciliadas num mesmo pensador.

 

Foram reunidos aqui textos fundamentais do legado do mineiro: Eça, autor deMadame Bovary, O homossexual astuto, Interpretando interpretações da América Latinae O narrador pós-moderno. Atentos, os organizadores oferecem uma bibliografia selecionada sobre o o autor e uma longa entrevista em que podemos compreender a forma como atua o seu pensamento. Sublinho um trecho em particular, que diz muito como o ficcionista e o crítico não se separam, ou melhor: se confundem e acabam sendo dependentes um do outro (para a nossa sorte) — “ (Em meu trabalho) Existem linhas paralelas que se tocam, influenciam umas as outras, se mesclam, criando um sistema de intercâmbios, de rotação, que ativa decisões, reformula metas e inaugura caminhos”.