Independente da qualidade das suas obras, certos artistas ficaram marcados pelo histórico dos seus excessos pessoais, a ponto da vida lançar uma longa sombra no que realmente (realmente, será mesmo?) deveria importar. Mas como separar a produção de uma Ana Cristina César do seu salto mortal da janela de um apartamento na Zona Sul do Rio; ou os magistrais poemas sombrios escritos pouco antes do desfecho que Sylvia Plath deu ao seu sofrimento, num dos invernos mais violentos do século 20; ou mesmo as cicatrizes que a mexicana Frida Kahlo transportou do seu corpo para telas em que o surrealismo soa tão verossímil, tão realista até? Bem difícil, convenhamos... Diria até mesmo impossível.
Antes de sermos fascinados pela arte, somos obcecados pela vida por trás dela; somos eternos habitantes de janelas indiscretas.
Quem visita o Museu Van Gogh, na capital holandesa, não tem apenas a experiência de ver de perto uma das produções mais impactantes das artes plásticas; também é cercado pela aura de loucura e excesso que marcou sua existência. Na descrição que vemos ao lado da maioria dos quadros expostos, pequenos textos nos lembram do tanto de tortura por trás de cada uma daquelas imagens. O amarelo dos seus campos de trigo, dos seus girassóis e de muitas das suas paisagens nos deixam a impressão de que essa é a cor da loucura. Da morte. A cor do não saber trafegar em meio ao que supostamente ficou combinado como “aceitável” para uma convivência pacífica em meio ao mundo. Um estigma que parece perseguir os grandes artistas. Saímos do Museu de Van Gogh com uma desconfiança, ou melhor, com uma certeza, de que as obras-primas acabam sendo feitas, justamente, por gente com o ego em frangalhos.
Van Gogh é daqueles artistas que conhecemos, em igual medida, tanto suas obras quanto seus dramas pessoais. Sabemos da orelha decepada, das cartas desesperadas para o irmão Theo e da relação conturbada com outro gênio, Paul Gauguin. É como se sua vida tivesse sido um tabloide sensacionalista que não para de nos surpreender. Diante disso é louvável o trabalho da dupla de biógrafos Steven Naiffeh e Grebory White Smith em tentar encontrar um Van Gogh, para além de todos os Van Goghs, que já temos presos em nosso imaginário em Van Gogh — A vida.
São mais de 1000 páginas que detalham a construção do gênio e do homem, procurando desmistificar questões que cercam a lenda de Van Gogh (o caso do suicídio é o melhor exemplo da pesquisa dos biógrafos). Apesar disso, numa passagem os autores nos lembram que, novas revelações à parte, a personalidade do artista acabou sendo tão grande quanto seus feitos: “Ninguém enxerga de fato suas pinturas sem conhecer sua história. ‘O que minha arte é eu sou também’”. É inescapável: todo grande artista é também sua obra-prima.