Os olhos da trevaé um desses romances que consomem o leitor, sem deixar margem para desenganos. Escrito da década de 1970 do século passado está chegando às livrarias em nova edição promovida pela Companhia Editora de Pernambuco. O seu autor, Gilvan Lemos, é um dos mais importantes escritores de Pernambuco, integrando a geração Pós-Regionalismo e anterior ao Movimento Armorial, e vive um momento de redescoberta.
O silencioso Gilvan Lemos é o homenageado da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco em 2013. Nada mais justo. Há pouco foi eleito para a Academia Pernambucana de Letras. Mas faltou à própria posse. Alegou um problema de saúde. É compreensível. Gilvan não seria Gilvan sem essas ausências, sem o silêncio típico da sua personalidade única, que pode ser vista caminhando pelas livrarias do centro do Recife todas as tardes.
Contando a história de Mila e Jomo, Os olhos da treva alcança um notável nível estético, fazendo com que seus personagens abandonem a Sociologia e a Antropologia, para se realizarem no plano do mito narrativo, como figuras únicas e permanentes, seduzindo os leitores pela atuação e pelo vigor. De forma que são só personagens de prosa e não imitação.
Assim, Gilvan situa-se entre o Regionalismo e o Armorial, destacando-se como um artista inovador e independente, com os seus próprios caminhos, embora seu primeiro livro — Os emissários do diabo — mostre uma clara influência de Graciliano Ramos, com uma frase cortante e vigorosa, além de personagens secos e incisivos.
Os olhos da treva é um romance praticamente descoberto pelo escritor pernambucano Renato Carneiro Campos, que apresentou a Hermilo Borba Filho, responsável pela publicação na Civilização Brasileira, na época a principal editora do Brasil. Imediatamente teve uma outra edição pelo Clube do Livro de São Paulo. Mais tarde, participou de um grande acordo editorial envolvendo as editoras Três, a José Olympio e a Civilização, vendendo mais de 80 mil exemplares. Gilvan, então, foi chamado de renovador da Literatura Brasileira, pelo crítico Mário da Silva Brito, um dos mais importantes do Brasil.
Entusiasmado, Hermilo Borba Filho, que sempre exaltou as qualidades do escritor pernambucano, abriu-lhe também as portas da editora Globo, quando ainda operava no Rio Grande do Sul, que levou às livrarias o livro de novelas A noite dos abraçados, que encantou Érico Veríssimo. Assim, Gilvan Lemos conheceu a consagração absoluta no cenário literário.
Por sugestão de Hermilo, Gilvan chegou a cortar um capítulo inteiro de Os olhos da treva, considerado frágil para uma obra tão forte. O romance, então, ganhou mais densidade, e perdeu um ar de ironia, que não lhe parecia adequado. Dono desta obra densa, o autor pernambucano integra a relação de escritores antológicos brasileiros.