O romancepoderia se chamar O triste fim do Coronel Chabert, mas Balzac, o grande e extraordinário Balzac, preferiu o breve e lacônico o coronel Chabert, como ocorre na maioria dos seus romances, a exemplo de Tio Goriot, para, enfim, reduzir o herói das guerras napoleônicas a uma imagem cruel, estarrecedora e bela, naquilo que a beleza tem de terrível e estarrecedor, senão de grotesco “— Ele foi dado por morto na batalha de Eylau. É amontoado numa vala com outros corpos nus, o coronel, porém, recobra a consciência antes de se enterrado, acredita estar morto, se dá conta de que está vivo, com muita dificuldade e sorte consegue sair daquela montanha de fantasmas depois de ter pertencido a eles, sabe-se lá por quantas horas, de ter ouvido e de ter acreditado ouvir gemidos soltados pelo mundo de cadáveres, em meio ao qual jazia”.
O livro, porém, só pode ser encontrado nas livrarias acoplado ao romance Os enamoramentos, de Javier Marias, também com tradução de Eduardo Brandão. Javier tomou a obra de Balzac como mote para construir sua premiada “tese” sobre o tempo que leva para algo ou alguém ser substituído. Graças à sua metalinguagem, temos a chance de conferir essa obra menos conhecida do grande mestre.
Balzac usa, na técnica narrativa, o diálogo direto, que dá ao livro uma velocidade contida, como uma espécie de teatro silencioso, movimentos escassos. O princípio, apesar da imensa qualidade técnica, é extremamente vagaroso, às vezes enfadonho, destacando-se aí a lenta descrição de ambientes e de documentos cartoriais, além de breves perfis que constantemente interrompem as conversas e, portanto, o enredo. Mesmo assim aí aparece o advogado Derville que se tornará um dos narradores do romance, porque parte dele a história do coronel, misteriosa, enigmática e chamada também de inverossímel, por um dos personagens. O começo do romance é realizado numa grande digressão, de forma que nem de longe lembra o principal motivo da história. Tudo de acordo com a técnica balzaqueana de não entrar logo na narrativa, cercando-a de descrições, de ambientações, quase documentais, e da construção de personagens nem sempre essenciais. Quando o leitor, enfim, entra na história, já está cercado pela ambientação e pelo clima, feito alguém que entrasse numa casa pelos quartos, pelas salas e pelos corredores, para só depois encontrar os donos. Esta é uma técnica comum no autor francês, que neste sentido é transformado numa espécie de sociólogo ou de psicólogo social, a examinar e a revelar a vida íntima das famílias ou até da sociedade.
Destaque-se, ainda, a força dos personagens, mesmo de maneira indireta, como é o caso do próprio coronel Chabert, criado a partir da voz do advogado Derville.
Apesar da lentidão nas descrições e perfis de personagens é sempre bom ler o velho Balzac, quando vivemos grandes emoções e aprendemos muito no trato da narrativa.