Há uma década, mantemos uma relação de amor e ódio, mas nunca de indiferença com o Rascunho, o jornal literário curitibano que se prestou a colocar sal, polêmica e afeto num universo de muitas (e de muitas vezes ensaiadas) cordialidades. Idealizado pelo jornalista Rogério Pereira, o Rascunhotem cumprido o papel (o ingrato papel) de ser combativo, combativo como a própria literatura precisa ser. Além disso, ele tem realizado a tarefa de compilar, a cada nova edição, grandes entrevistas com os principais autores brasileiros (até junho deste ano foram 171 conversas com 153 nomes diferentes). Com organização de Luís Henrique Pellanda (colaborador frequente do Pernambuco), a Arquipélago Editorial acaba de lançar o segundo volume de As melhores entrevistas do rascunho.
O time não poderia ser melhor: Adriana Lunardi, Affonso Romano de Sant’Anna, Ariano Suassuna, Carlos Heitor Cony, Joca Reiners Terron, Marçal Aquino, Marcelo Backes, Miguel Sanches Neto, Raimundo Carrero, Rodrigo Lacerda, Ronaldo Correia de Brito, Ruy Castro, Sérgio Rodrigues, Silviano Santiago e Vilma Arêas. Nessas conversas, temos confissões que revelam o temperamento dos autores e, por extensão, o “humor” dos seus escritos. “Sou uma pessoa que com 80 anos de idade continuo animoso. Não vou dizer a você que sou uma pessoa alegre, porque acho que alegria não é uma palavra que expressa bem a atitude de ninguém diante do mundo, a não ser que haja certa dose de irresponsabilidade. É antes uma paixão pela vida e um encanto pelas pessoas. Eu gosto de gente. Não sou amargo, apesar de saber que a vida tem coisas muitos duras. Mas, se olhássemos com amargura, a morte já seria suficiente, já que o fundamento da vida é trágico”, observa um Ariano provando o quanto sua vitalidade é realista.
Com uma entrevista intitulada Sertão neurótico, Ronaldo Correia de Brito esmiuça a geografia que, ainda por subtração, persegue sua obra de forma luminar: “O sertão é uma invenção pessoal de cada escritor. José de Alencar criou um sertão romântico no livro O sertanejo (…). Pode parecer brincadeira, mas reconheci o meu sertão num bairro de imigrantes africanos em Paris com a mesma nitidez que numa cidade do interior do Nordeste do Brasil. Jorge Luis Borges encontrou o oriente na Espanha e não o encontrou em Israel. O sertão está em toda parte, é infinito”.
Vale ressaltar que não é difícil encontrarmos autores que se negam ou realizam a tarefa de ser entrevistados de forma reticente. Afirmam que tudo está já dito na obra. O que é uma falácia, obviamente. Uma obra literária nunca diz tudo. Ou melhor: não tem de dizer tudo, são as entrelinhas que, de fato, importam. E uma entrevista, quando bem conduzida, pode ser uma obra de arte por si só.