Memórias não são necessariamente romances, mas devem ser enriquecidas pela qualidade literária do autor, sobretudo quando ele se chama Carlos Heitor Cony, com profunda experiência neste campo, onde o relator substitui, com vantagens, o narrador. Cony é autor de um texto instigante, preciso, correto e belo, ressaltando, sobretudo, os personagens históricos da política brasileira em JK e a ditadura,remontando à atmosfera e à ambientação de importante período nacional de profundas mudanças sociais e econômicas. Numa entrevista recente, afirmou que esse seria a sua despedida definitiva da literatura. Não é a primeira vez que afirmou tal coisa: nos anos 1970 também decidira deixar a ficção para se dedicar ao jornalismo. Anos depois, voltou com o elogiado best-seller Quase memória. O começo da sua “nova despedida” mostra a elegância da sua narrativa: “31 de janeiro de 1961 — ‘...infelizmente ainda estamos na América Latina’. A 10 mil metros de altura, cruzando o Atlântico”. Que a despedida (outra vez) não seja definitiva.