Ilustração Thiago Liberdade

 

O FestivalA Letra e a Voz, promovido pela Prefeitura do Recife, na sua edição 2012, parece que decidiu internacionalizar de vez sua programação. Um dos convidados é o escritor argentino Alan Pauls, nome de ponta da literatura contemporânea em língua espanhola. Sua presença é importante porque, com exceção dos medalhões do Boom dos anos 1960 (leia-se Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e Cia.), a produção literária dos nossos vizinhos é praticamente desconhecida para nós brasileiros. Por isso, preparamos um guia de leitura com alguns dos principais títulos do autor.

 

A história do cabelo

Segundo volume de uma trilogia que Pauls prepara sobre a ditadura argentina. A prerrogativa é problematizar, a cada novo livro, os três itens que seus conterrâneos perderam durante o período, em sua opinião: lágrimas, cabelos e dinheiro. Aqui, um homem vive à sombra de uma obsessão: encontrar o corte de cabelo perfeito, uma mania tão forte que o escraviza tanto quanto o regime vigente em seu país. Pauls sabe bem que a ditadura é uma metáfora que ultrapassa questões políticas (ou será que nossa ideia do que implica a expressão “política” é redutora?).

 

A crítica Beatriz Sarlo escreveu um ensaio magistral sobre a obra. Segue um trecho: “O cabelo continua funcionando como um organizador supremo. Tiraniza a vida e tudo é visto sob o seu ponto de vista. Como em uma cosmogonia fantástica, o mundo se organiza em torno do cabelo. O cabelo é o significante vazio: está ali para fazer com que o sistema tenha algum sentido.Tudo gira ao redor desse crânio frondoso, belíssimo se fosse julgado objetivamente (mas, como se sabe, a loucura é o naufrágio de qualquer tentativa de objetividade). Não existe sentido para além do cabelo. Essa monomania é trágica. O personagem narra suas aventuras com um desespero amenizado pelo estilo.”

 

El factor Borges

Ao lado da sua produção ficcional, Pauls tem um trabalho bastante importante como crítico literário. Nessa obra, inédita no Brasil,o autor analisa o impacto e o desconforto que sente diante da recepção da obra de Borges — para além do cânone, uma figura contraditória para todos da sua geração. Pauls problematiza e relaciona o trabalho do mito argentino com a trajetória modernista do século 20.

 

Vale a pena ainda conferir o posfácio que Pauls escreveu para a nova edição de Mrs. Dolloway, de Virginia Woolf, que a Cosac Naify acaba de lançar. Em seu ensaio, nos faz pensar no contexto que a expressão “literário” ganhou por conta do modernismo. “Hoje lemos como o cúmulo do literário um romance ao qual em sua época foi recusado o ingresso na literatura; um romance que nascia desafiando a ideia de que fosse possível existir algo como ‘o literário’, com suas fronteiras, suas alfândegas e sua polícia de migrações. Mrs. Dalloway não é o primeiro caso nem será o último. Talvez a história da literatura, tal como a da arte em geral, não seja senão a história dessas reviravoltas, desses processos de repatriação”, escreveu Pauls.

 

O passado

A memória é um tema caro para os escritores latino-americanos. É preciso reter, problematizar e lidar com os fantasmas vividos, sobretudo com assombrações das últimas décadas. Nessa obra, a mais famosa de Pauls no Brasil, graças à adaptação homônima para o cinema de Hector Babenco, a separação de um casal e o fracasso na tentativa de reconstrução de uma nova vida, são o foco.